El Trapezio

EL TRAPEZIO entrevista Ricardo Neves-Neves, autor da peça de teatro e livro “A Reconquista de Olivenza”

Com Ricardo Neves-Neves (Quarteira, 1985) já se pode ter tido a oportunidade de conhecer o cinema português dos anos ‘30 e ‘40 (em Entraria nesta sala…) e até de mergulhar num universo nonsense ligado ao cinema de terror (em Banda Sonora / The Swimming Pool Party). Mas talvez não esperaríamos (ou talvez sim) que o próximo passo do dramaturgo fosse repescar uma história ibérica, cheia de intrigas, desconstruída a partir do imaginário muito provável de um jovem dos anos noventa.

A verdade é que isso aconteceu e o resultado foi A Reconquista de Olivenza, um espetáculo de teatro que estreou em fevereiro de 2020, no Teatro São Luiz, e que regressa à mesma casa já a partir de outubro. E para quem não pode ir assistir à peça, o guião está agora também disponível em livro, numa edição em português da Artistas Unidos/Snob.

 

O que nos conta este texto?

A Reconquista de Olivenza foi uma obra que começou a ser pensada em 2012, programada pelo [Teatro] São Luiz em 2015, e eu escrevia-a em 2019. Portanto, houve aqui um processo excelente de pensamento e maturação que me levou, depois deste tempo todo, a fazer uma brincadeira em vez de uma coisa a sério: uma fusão da História de Portugal e da História ibérica com algumas referências da animação e dos videojogos.

Muitas vezes refiro-me a este espetáculo como um género de sonho que um miúdo de 12 anos tem, em vésperas de um teste de História, onde mistura aquilo que esteve a estudar com as referências daquilo que joga e vê. Isto resulta numa mistura de personagens do Dragon Ball, do Street Fighter e de personalidades da História de Portugal e de Espanha, entre outras. No fundo, é o recontar ficcionado da História, ou, se quisermos, uma nova História para o nosso país.

Há sempre aquela ideia quando se escreve ficção, mesmo que seja a partir de dados concretos, de perguntar “e se?”. E se tivesse sido diferente? Se ainda vivêssemos numa monarquia, como seria?

Portanto, esta “reconquista” de Olivença deve ser outra coisa…

Sim. Toda a questão de Olivença está presente no espetáculo de uma forma muito ligeira. É apenas um pretexto para contar uma história de aventura que começa em Portugal, em Lisboa, que se estende por todo o Mediterrâneo e que culmina em Olivença.

Na verdade, aquilo que conto no espetáculo liga-se mais ao universo dos desenhos animados. Sobre o período dos Descobrimentos portugueses, o império que Portugal foi construindo, tudo isso, aquilo que eu digo é que, em vez de se dever a razões de expansionismo, económicas ou de poder, os portugueses estiveram à procura das sete bolas de cristal – tal como o Son Goku do Dragon Ball – e é essa a verdadeira razão pela qual dominaram alguns territórios por todo o planeta.

E como fica a verdadeira questão oliventina no meio disso? Defende alguma posição?

Sobre isso, não existe nenhuma vontade, tanto que eu coloco Olivenza com “z”. É uma forma de dizer que apesar da História, de todos os equívocos, do Tratado de Viena, para mim está mais que assumido que Olivença é uma terra espanhola. Tal como creio que está assumido por nós, portugueses, no geral – mesmo que também haja quem defenda que Olivença devia ser portuguesa.

A verdade é que nós vamos lá e, mais do que portuguesa ou espanhola, vemos uma cidade ibérica. Vemos, de facto, uma arquitetura alentejana, alguma de origem manuelina portuguesa, mas a História levou a que Olivença agora seja espanhola. Eu não me sinto a participar nessa luta de reivindicação desse território para Portugal e, por isso, decidi escrever Olivenza à maneira espanhola.

Como concebe então a relação entre as personagens espanholas e portuguesas nesta narrativa?

As personagens espanholas começam por reforçar aquele clichê histórico das guerras entre mãe e filho – no princípio de Portugal, entre primos – e mostram a imagem de reinos disputados, mas geridos por familiares. São aqueles inimigos sempre presentes, mas também companheiros. Tanto que, nesta história, os herdeiros ao trono de Portugal e de Espanha apaixonam-se, quando se conhecem, e todo o percurso inicial de ódio dá lugar a uma história de amor.

O que fazemos, acompanhando uma grande viagem da corte portuguesa, é um retrato – umas vezes mais profundo, outras mais superficial – do que é ser-se português. Dos nossos complexos de inferioridade, dos nossos tiques de imperialistas que, depois, se concretizam de uma forma mais ou menos frágil, até na relação com os outros.

Essa ideia de ser grande e pequeno ao mesmo tempo, que está presente ao longo de todo o espetáculo, também se reflete na sua própria conceção. Para que o espetáculo aconteça, precisamos de mais de 60 pessoas – entre atores, cantores, músicos e técnicos – mas, apesar dessa grande dimensão, não queremos fazer uma coisa grandiosa. Somos assim, grandes e pequenos. É a nossa personalidade.

Sendo esta a segunda vez que apresentará a peça ao público, qual foi o mote para este regresso?

Quando o espetáculo estreou, em Lisboa, correu muito bem, na medida em que teve muito público. Mas também foi um espetáculo que teve um envolvimento muito grande da equipa para a sua construção. Tudo foi feito de raiz: o cartaz, a música, os cenários, os figurinos… e, na verdade, soube-nos a pouco. Custou-nos terminá-lo tão rapidamente como tivemos de o fazer na primeira temporada, em 2020, depois de nove apresentações em Lisboa e duas em Loulé.

Nessa altura já tínhamos falado com o São Luiz para termos uma reposição, que deveria acontecer um ano depois, mas, por todas as questões que a pandemia trouxe, só se concretiza agora em outubro. E isso teve essencialmente que ver com a vontade de continuar a fazer o espetáculo.

E agora já podemos ver também esta história em livro. Era importante para si que isso acontecesse?

Sim, perturba-me muito a efemeridade do teatro. Infelizmente não é como a Notre Dame, os Jerónimos ou mesmo um cromeleque, que têm séculos e séculos de existência. O teatro tem sempre dias de vida, mesmo que seja uma peça com 3 anos em cena ou, por exemplo, o Cats, que já está há 50 anos.

No caso de [A Reconquista de] Olivenza, fizemos 11 apresentações em 2020 e, agora, vão ser 12. Vai ter um total de 23 apresentações, ou seja, 23 dias de vida. É uma temporada, ainda assim, muito curta. Por isso, publicar esta peça em livro é uma parte do espetáculo a manter-se viva durante mais tempo, pelo facto de que os livros duram mais tempo. É uma forma de, não digo contrariar ou combater, mas de fazer estender a vida do texto e, assim, estar colado a nós durante um bocadinho mais de tempo.

Apresentar esta peça em Espanha e noutros territórios: é uma opção?

Eu gostava que isso acontecesse, mas aquele pormenor de sermos 60 pessoas a fazer o espetáculo torna-o, de facto, mais pesado e caro. Claro que nós estamos disponíveis e queríamos muito levar o espetáculo a qualquer sítio que o queira ver, mas honestamente tenho dúvidas de que isso aconteça. Ainda assim, imagino que o espetáculo consiga fazer uma grande circulação.

Para terminar, que mensagem deixa para quem ainda não teve contacto com esta história?

É um espetáculo onde se vão divertir. Dizem que é sempre bom olharmo-nos um bocadinho ao espelho, e eu acho que este espetáculo acaba por funcionar como um espelho. Um espelho sobre nós, sobre um Portugal que ainda existe e que está na União Europeia. No fundo, é um retrato de um país sob uma perspetiva cómica e sem medo do ridículo. Acho que poderão rir-se connosco e ouvir as maravilhosas músicas do Filipe Raposo, muito bem cantadas pelo nosso elenco. Tem também uma vertente visual que dará, certamente, muito prazer ao espectador.

Salir de la versión móvil