Qual é coisa, qual é ela, que pode ser achatada, alongada, arredondada, encurvada, vermelha, amarela, verde, e pode ou não picar? Facilmente saberá do que se trata se as imagens deste artigo não lhe passaram despercebidas. O pimento é, de facto, um ingrediente marcante na cozinha e na cultura ibéricas. Existe para todos os gostos e há até quem não o aprecie. Mas, afinal, o que tem de especial este fruto? E como chegou até nós?
“Já tínhamos caracterizado parte da nossa coleção”, afirma Ana Maria Barata, a coordenadora do banco português sediado em Braga, explicando que o trabalho mais complexo foi “caracterizar o resto”. No entanto, por não haver cruzamento “deste tipo de materiais” entre os bancos ibéricos, a investigação nos dois países teve de avançar de forma independente. “Nós estudámos o nosso material e a Cristina usou material que faz parte da coleção nacional espanhola. Até existem outras espécies que estão conservadas tanto em Portugal como em Espanha, mas não era o caso dos pimentos”, acrescenta.
Através de uma ferramenta recente, a Tomato Analyzer, as cientistas conseguiram fazer uma caracterização “mais sistemática” destes frutos. A partir daí confirmaram a origem dos pimentos na América do Sul, “mais concretamente no México e na região andina”, e verificaram ainda que a diversidade genética está mais reduzida. Ou seja, os pimentos ibéricos estão a ficar cada vez mais semelhantes, embora apresentem grandes diferenças em relação aos originais, como descreve Filomena Rocha: “São mais pesados, mais largos, com contornos mais arredondados, mais carnudos e maiores, se considerarmos o perímetro”.
Quanto à descoberta da origem do pimento, as certezas são poucas. “O que se diz, historicamente, é que nós levámos animais [para a América] e trouxemos sementes”, resume Ana Maria Barata. Daí a conclusão de que, provavelmente, a introdução deste fruto na Europa tenha acontecido durante as viagens marítimas portuguesas e espanholas nos Descobrimentos. Uma troca que terá tido uma vertente bastante prática: “Os marinheiros tinham a necessidade de levar para as ‘novas’ terras aquilo que os fazia recordar o seu país”, assinala Rocha. Por isso é que se levou “muita coisa daqui da Península, mas também se trouxeram outras coisas, como os pimentos, que na altura eram uma surpresa”.
Através deste cruzamento científico, argumenta Ana Maria Barata, é possível “fundamentar algumas ideias que temos atualmente”. No caso dos pimentos, afirma, “os espanhóis têm uma produção, transformação e consumo muito mais efetivos do que nós portugueses”. De uma forma geral, “eles também são muito consumidores dos seus próprios produtos”, acrescenta, o que ajudou à “dinâmica de melhoramento” das espécies. Que trouxe às mesas ibéricas outras variedades de pimentos: “os laranjas ou amarelos, por exemplo”.
Entretanto, os dados deste trabalho foram já divulgados na página do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), que tutela o banco de germoplasma português. Concretizando-se assim mais uma colaboração científica “com bons resultados” entre Portugal e Espanha. “Trabalhamos muito com os nossos colegas espanhóis, já desde os anos ’80 e ’90, em projetos que desenvolvem o estudo de várias espécies”, garante a coordenadora do banco luso.
Para as investigadoras, o estudo dos pimentos é agora uma etapa fechada, mas não deixam de sublinhar o gozo que lhes deu investigar estes frutos. “Têm várias formas, cores… São muito bonitos”, diz Filomena Rocha. Pode até haver quem não goste deles, mas, para Ana Maria Barata, a qualidade destes frutos na Península Ibérica não deixa margem para dúvidas: “É do melhor que há”.