Um top 10 ibérico na Eurovisão

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E eis que o extraordinário acontece. Na final do Festival Eurovisão da Canção deste sábado, em Turim, Portugal e Espanha alcançaram conjuntamente o top 10. Algo que já não acontecia desde 1991, quando Dulce Pontes e Lusitana Paixão conseguiram o oitavo posto e Sergio Dalma, com Bailar Pegados, terminou em quarto lugar – curiosamente também em Itália.

De facto, é um feito quase inédito, mas esta classificação dos dois países ibéricos já era esperada. A atenção internacional nestas últimas semanas foi crescendo sobretudo em torno de Chanel, a cantora cubano-espanhola que ganhou o Benidorm Fest com o seu primeiro single e deslumbrou os fãs e a imprensa pela sua energia em palco e pelo toque latino e poderoso do tema, que fez muitos lembrarem-se de Eleni Foureira e Fuego, a proposta que o Chipre levou a Lisboa em 2018 e que alcançou o segundo lugar. Isto garantiu-lhe, a priori, uma posição de possível vencedora desta edição, que despertou em Espanha um sentimento de unidade e de forte apoio à canção – depois de a criticarem quando venceu a pré-seleção nacional e destronou as propostas também favoritas à vitória da catalã Rigoberta Bandini e das galegas Tanxugueiras.

Já por Maro, a representante portuguesa, os olhares estrangeiros destacaram sobretudo a diferença de Saudade, saudade em relação às concorrentes – uma balada suave, bem interpretada e com uma mensagem emocionante. Apesar de estar em linha com algumas das últimas propostas portuguesas, entre as quais Amar pelos dois, de Salvador Sobral, esta participação trouxe a palco mais cinco artistas que completaram as harmonias com Maro, algo que agradou bastante aos fãs e jornalistas e colocou Portugal bem acima da metade da tabela de preferências.

No entanto, a votação trouxe a polémica a que a Eurovisão já nos habituou – e que, apesar de tudo, até gostamos. O chamado “bloco ibérico” não funcionou desta vez e apenas Portugal apoiou com vigor o país vizinho, oferecendo os 12 pontos (pontuação máxima) do júri e 10 pontos (segunda maior pontuação) do televoto. Já Espanha atribuiu apenas quatro pontos do seu televoto aos lusos, surpreendendo por não dar qualquer pontuação a Portugal através do júri – e por atribuir os 12 pontos ao Azerbaijão, com uma candidatura pouco considerada, numa tentativa (certamente) de prejudicar a concorrência mais direta à vitória.

Mas não é a primeira vez que isto acontece. De facto, a aliança ibérica que tradicionalmente existe na votação do concurso tem sofrido alguns revezes nos últimos cinco anos, o que se pode explicar pela maior concorrência de Portugal desde a vitória de Sobral em 2017 e também por uma aposta mais sólida nas participações por parte da RTVE. No ano passado, por exemplo, foi Portugal quem se absteve de dar pontos ao país vizinho, enquanto Espanha deu cinco pontos pelo júri e um pelo televoto. 2019 foi o único ano em que a votação se equilibrou, com os países a atribuírem-se mutuamente os 12 pontos pelo televoto e nenhum através do júri. Quando a Eurovisão se realizou em Lisboa, Portugal não recebeu novamente pontos dos espanhóis e deu os 12 pontos pelo televoto e dois pelo júri à canção de Amaia e Alfred. Já no ano em que Portugal ganhou o certame, o país recebeu de Espanha a pontuação máxima, tanto do júri como do televoto, e deu de volta cinco pontos pelo televoto.

Feitas as contas, Portugal acabou por ser mais generoso na votação neste período, com um total de 53 pontos, mas que não se distancia muito dos 46 oferecidos por Espanha ao vizinho. Um dado que, apesar de tudo, não tem muita importância se se considerar que este favoritismo parcial entre países fraternos não deve sobrepor-se ao mérito das canções. No entanto, é interessante constatarmos que a política está sempre a jogo no concurso e que a ligação ibérica também pode ter lugar numa competição de música – que hoje é muito mais do que isso.

No final do espetáculo em Turim, ficámos a saber duas coisas. Primeiro, que a Ucrânia ganhou e conquistou assim a sua terceira vitória no concurso, após ser indicada como uma das favoritas ao triunfo não apenas por solidariedade face ao momento difícil que o país atravessa, mas também pela mistura inteligente do folk com o hip-hop no tema que apresentou. Segundo, que não sabemos onde será feito o festival no próximo ano, já que não é certo que se faça na Ucrânia, o anfitrião por direito. Contudo, caso este impedimento se venha a verificar, outro país europeu deverá receber o concurso, e o mais provável é ser o Reino Unido por ter alcançado o segundo posto este ano.

Apesar disso, Espanha continua na luta para acolher o festival em 2023, depois de conseguir o terceiro lugar, e já afirmou, pelas palavras da diretora de Comunicação da RTVE, María Eizaguirre, que se oferece como sede do evento “caso a Ucrânia não o possa acolher”. Isto depois de, nos dias prévios à final, várias cidades espanholas já se terem oferecido para receber o certame, como Barcelona, Valência ou Las Palmas de Gran Canaria.

Uma decisão em que Portugal parece não querer ter nada a dizer, uma vez que ficou em 9.º lugar e, por isso, aparentemente mais longe de poder ser escolhido como país anfitrião. Mesmo assim, nunca se sabe, e só nos resta esperar para ver.

 

João Sousa

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