A 2ª Edição do Hispacómic em Sevilha deu novamente espaço a vozes lusas. Com o motivo de analisar o panorama da banda desenhada (BD) em Portugal, no dia 15 de março, consagrou-se uma mesa-redonda com Joana Mosi, autora de ‘A Educação Física’, e Hugo Jesus, divulgador e criador do site ‘Central Comic’. Trata-se de uma iniciativa levada a cabo pela Hispacómic e o Centro Andaluz das Letras, com a intenção de aproximar culturalmente ambos países da península ibérica.
Joana Mosi, autora, professora e premiada artista plástica, apresentou o seu mais recente livro de BD, ‘A Educação Física’. Depois da sua entrega ‘O Mangusto’, na qual refletia sobre o processo de luto, agora explora o crescimento pessoal através das relações interpessoais vividas pela protagonista, Laura, uma jovem adolescente. Nenhum dos livros é autobiográfico; contudo, reconhece que “a única forma de tornar uma história mais real é ter passado por essas emoções”.
Para Mosi, a BD é mais do que um género ou um formato, é uma linguagem. Neste sentido, o seu objetivo passa por conectar com as pessoas através de um tema que lhes seja comum. A obra da artística está em consonância com a definição dada por Hugo Jesus a respeito da banda desenhada portuguesa: “tem um estilo indie, muito pessoal, não há tanta ficção nem fantasia. É um género mais realista, fala da vida e dos seus problemas”.
Quando perguntados pelas suas referências no mundo da BD, Jesus não hesitou em identificar obras europeias como a francesa ‘Asterix e Obélix’, a belga ‘Lucky Luke’ e a espanhola ‘Mortadelo y Filemón’. Ao ouvir esta última, a moderadora, Marta G. Navarro, aproveitou a ocasião para refletir sobre a relação cultural entre os países ibéricos: “Espanha vive de costas voltadas para Portugal, enquanto os portugueses estão atentos ao que se passa no país vizinho. Este é um erro que o festival está a tentar corrigir”.
Panorama da banda desenhada em Portugal
O mercado da BD em Portugal tem vindo a aumentar e, em 2024, registou-se um marco histórico com mais de 500 títulos publicados. Isto traduz-se num crescimento de 9,4% com respeito a 2023, ultrapassando os 205 milhões de euros em receitas, segundo indica Hugo Jesus em ‘Central Comic’. Esta prosperidade levou à criação do Dia Nacional da Banda Desenhada, celebrado pela primeira vez em 18 de outubro de 2024. A iniciativa do partido Livre foi aprovada um ano após a Academia Nacional de Belas Artes ter reconhecido a banda desenhada como uma forma superior de expressão cultural e artística.
De acordo com o divulgador, das mais de 500 obras publicadas, 174 são originais em português. “É verdade que a BD está a crescer em Portugal, mas ainda há muita resistência para ler banda desenhada portuguesa”, acrescentou. Como professora, Joana corroborou este facto ao identificar nos seus alunos uma preferência juvenil pelo consumo de BD estrangeira, com destaque para a nipónica (manga) e a estadunidense (dominada pela Marvel e a DC).
Esta situação não se verifica apenas no âmbito da nona arte, nem tampouco de igual modo nas demais artes. Segundo Joana, “o mesmo acontece com o cinema e não tanto com a literatura. No caso da música, há inclusive uma lei que exige a transmissão de uma certa percentagem de música portuguesa nas rádios nacionais” (referindo-se à Lei nº 7/2006, mediante a qual se estabelece um mínimo de 25% a 40%).
“É uma questão cultural”, afirmou Jesus, tentando encontrar uma solução. “Portugal é uma esponja, consome todos os conteúdos do estrangeiro”. Ao contrário da Espanha, que costuma dobrar todos os filmes e séries, “nós, por exemplo, mantemos o idioma original e adicionamos legendas”. Na mesma linha, Joana reconheceu que, embora ainda exista uma grande maioria de portugueses que tende a priorizar o conteúdo estrangeiro, o panorama está a melhorar, e gradualmente abre-se mais espaço para os artistas nacionais.