EL TRAPEZIO entrevista o presidente da Câmara do Comércio Luso-Espanhola: «As relações comerciais são excelentes»

Miguel Seco defende a necessidade de se olhar mais para Portugal a partir de Espanha e que é possível potenciar todas as áreas

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Perto do Saldanha, a Câmara do Comércio Luso-Espanhola faz a ponte entre as empresas ibéricas que queiram investir no outro lado da fronteira. Portugal é o quarto maior mercado para Espanha, já o país vizinho é o principal parceiro comercial das companhias lusitanas.

A Câmara, que foi agraciada com a Placa de Honor de la Orden de Isabel La Católica, ao longo dos seus 51 anos de existência tem ajudado a consolidação das relações económicas que tanto peso têm para ambos os países. Desde a sua criação, a CCILE conseguiu desempenhar um importante papel no reconhecimento da peseta como moeda de pagamento em Portugal (em 1975). Miguel Seco, um profundo conhecedor do mercado ibérico, é o novo presidente da associação. Antes de chegar a presidência fez, desde 2010, parte do conselho consultivo da Câmara do Comércio.

Foi no seu gabinete de trabalho que recebeu o EL TRAPEZIO. O presidente da Câmara do Comércio Luso-Espanhola, que tem uma vasta experiência na banca dos dois países, falou sobre o trabalho que realizam, o perfil das empresas associadas ou o que o futuro tem guardado para as relações comerciais luso-espanholas. A sua relação com Portugal começou ainda em Espanha, em 1988. Em 1998 aterrou em Lisboa e desde então foi diretor do Centro Ibérico de Empresas do maior banco privado de Portugal (BCP) e responsável pela Área de Empresas Ibéricas da Sucursal no país do 4º Grupo Financeiro espanhol (Sabadell). O abandono definitivo da banca aconteceu em 2020. Para Miguel Seco as relações comerciais entre os dois países são excelentes mas ainda é possível fazer mais.

– Qual é o trabalho que a Câmara faz de apoio às empresas?

O objetivo fundamental é fomentar as relações entre as empresas espanholas e as portuguesas. Isto acontece quer a nível de investimento como na presença direta no mercado espanhol ou no mercado português. Também temos aquelas empresas espanholas que olham para o mercado português porque tem vendas ou estão a estudar para se estabelecer aqui. Acompanhamos todo o processo de estabelecimento da empresa espanhola em Portugal. Também temos uma irmã lá, que é a Câmara Hispano-Portuguesa. Felizmente para uma empresa espanhola que venha para Portugal o leque de serviços é muito amplo. A facilidade de instalação em Portugal é relativamente simples. O sistema financeiro é quase comum, com bancos nos dois lados. O sistema de advogados também é bastante parecido com ofertas de escritórios de todos os tamanhos. Nós também temos uma parte importante, que é a da formação linguística. Temos um centro de arbitragem próprio da Câmara que pode fazer a vez dos tribunais, que são sempre mais demorados. A nossa revista vai dando notícias sobre as empresas dos dois lados. Temos os grandes almoços que nos dão muita visibilidade e onde assistem membros do governo. Estamos a trabalhar para tentar ter um em finais deste mês. Parece que está tudo a parar um pouco mas seja agora ou em Abril, vai haver! Trabalho não nos falta. Trazer serviços novos, atividades novas. Temos o compromisso de ter um contato mais estreito com os sócios, projetos mais setoriais e focados numa certa área de negócio.

– Como foi gerir a Câmara e as expectativas das empresas em plena crise de saúde?

A Câmara continuou a trabalhar, a fazer estudos e webinars. Penso que faltou um pouco mais de enfoque setorial. No início da pandemia ninguém sabia quanto tempo ia durar nem como ia ser. Se calhar na parte final, em que a pandemia coincidiu com o processo eleitoral, podia-se ter feito um pouco mais. O processo eleitoral demorou tempo demais. Não foi bom para as atividades da Câmara. Compreendo que alguns dos sócios no último trimestre não estivessem a compreender o que se estava a passar. A campanha eleitoral arrancou oficialmente a 3 de Novembro e nós demoramos quase três meses a chegar a uma decisão. Uma das situações que levou a esta demora foram os estatutos. Os estatutos vão ter que ser atualizados. Já estamos a trabalhar nisso. Na parte do dia-a-dia das empresas levou a que se fosse retirado tempo, as equipas dividiram-se e há o tema do teletrabalho. Digo que se podia fazer mais pois outras Câmaras o fizeram. Nós somos a maior Câmara bilateral do país e com muito trabalho vamos conseguir recuperar rapidamente.

– Olhando para as empresas que fazem parte da Câmara, é possível traçar um perfil das mesmas?

Existem três blocos de empresas. Há grandes empresas que participam na Câmara pois elas próprias são marca Espanha e acham que o seu papel e a sua obrigação é fazer parte e acabam por ter um compromisso quase global. Os serviços que a Câmara acaba por oferecer são reduzidos. A uma instituição bancária, o El Corte Inglês ou uma grande instituição espanhola, a Câmara oferece pouco. Normalmente é elas que nos ajudam com meios próprios da empresa. Depois há um grupo grande de empresas em que o seu negócio é participar nas relações bilaterais entre Espanha e Portugal. Aí temos muitos escritórios de advogados ou empresas de consultoria que oferecem os seus serviços. Ai existe uma troca de regalias entre os dois lados. O terceiro foco está nas PMEs espanholas que estão a estudar o mercado português. Começam por exportar e depois estudam a instalação por aqui. Aí se dirigem a Câmara devido aos serviços que oferecemos. Podemos dar apoio na parte legal, financeira, de estudos de mercado. Estas são as três grandes áreas de empresas que temos aqui. Há um projeto que é de tentar recuperar o número de sócios. Houve uma diminuição e não é tanto agora por causa da pandemia. Durante a crise económica que o país teve (2011-2015) houve uma redução. Pretendemos fazer uma campanha grande para captar novos sócios.

Em que estado estão as relações económicas entre os dois países?

Fantásticas! O ano de 2020, pelas razões que todos compreendem, foi muito mau. 2021 foi um ano, a nível das relações comerciais Espanha-Portugal, fantástico. Superou-se em 10% o ano de 2019. Este já tinha sido o melhor ano se compararmos com os anos anteriores. Estamos a falar de um comércio entre os dois países a volta dos 37 mil milhões de euros. Isto com um crescimento quer a nível de exportações como de importações. Como um espanhol que mora em Portugal e sempre teve muito relacionamento com o país surpreende-me o desconhecimento que ainda existe em Espanha sobre a realidade aqui. Portugal é o quarto mercado para Espanha. É mais importante Portugal, a nível de exportações, que o Reino Unido ou toda a América latina. Portugal é um grande mercado para Espanha. Para a balança espanhola, Portugal representa mais de 10 mil milhões de superavit. Devíamos ter isso pelo menos em conta. Pode ser um exemplo para Espanha na área da diplomacia. A própria saída da crise foi excepcional. A própria imagem da marca país nota-se que, desde 2018, deu a volta. Portugal é um país que tem uma imagem de marca muito forte como uma nação digital e muito Inovadora. Penso que isto não é consciente para a grande realidade espanhola. Em Espanha estamos sempre a olhar para a França, Alemanha ou o Reino Unido.

– Como as empresas ibéricas tem reagido a estas constantes crises?

Em relação a pandemia, assistimos quer lá quer aqui a uma adaptação razoavelmente boa ao tema do teletrabalho. A parte da digitalização está a funcionar bem. O comércio exterior rapidamente começou a recuperar. O início de 2021 não foi grande coisa mas a partir de finais do primeiro semestre o ano melhorou todos os meses. As empresas começam a ver que há oportunidades com a melhora da economia e do mercado global. Estamos todos expectantes com os fundos europeus. A Portugal corresponde 16 mil milhões. Há grandes oportunidades em setores ligados com a energia, saúde, o meio ambiente. Com a crise atual, o tema da auto-suficiência energética e da industrial ganha uma nova importância. A indústria automóvel, muito importante para Portugal e para Espanha, está a ter problemas com os componentes. Certamente aí vai haver decisões estratégicas importantes. Penso que as empresas reagiram razoavelmente bem. Em Portugal as medidas foram muito rápidas por parte do governo. Está-se a impor mais a visão que a oportunidades do que dificuldades. Portugal está a se consolidar na área do turismo. A residência de nómadas digitais também está a funcionar bem, trazendo assim muita tecnologia e novos métodos de gestão. Penso que as duas economias podem aproveitar isso. Portugal, tirando a França ou a Alemanha, é mais importante. É possível tirar grandes ilações que podem ser importantes para a economia espanhola.

– É possível haver ainda uma maior aproximação comercial entre os dois países?

As pessoas que trabalham nos dois lados, com uma mentalidade Ibérica, acreditam que sim. Levo mais de trinta anos ligado a Portugal e vinte e tal anos a viver no país. Achamos que sempre se pode fazer mais. Há a parte das Cimeiras anuais que se fazem mas é possível fazer muito mais a nível das pessoas. Há projetos na zona da Raia para melhorar a economia, a mobilidade e o dia-a-dia das pessoas. A normativa fiscal vai sempre ser algo diferente porque os mecanismos que os países têm para ajustar oferecem atrativos diferentes. Em Espanha, no meu país, ele próprio tem dificuldades devido às comunidades autónomas para ter uma unidade fiscal. Torna-se difícil avançar com uma aproximação fiscal. Os meios de transporte são um problema que persistem. Noto que na logística, esta é quase exclusivamente rodoviária. O transporte ferroviário quase não existe entre Portugal e Espanha. O tema aeroportuário pode ser melhorado. Portugal tem em cima da mesa o novo aeroporto de Lisboa mas este está a demorar muito tempo. Em relação às estradas marítimas, Portugal está a fazer o seu trabalho. Aqui desconheço um pouco como está a parte do meu país. Portugal quer fazer de Sines o grande porto de entrada na Europa pelo Atlântico mas depois tem de ser complementado a nível ferroviário. Há muitas coisas a fazer. Penso que existe sintonia entre os dois governos, independentemente da parte ideológica que esteja no poder. A península unida tem um grande peso e tem que fazer contrapeso com o centro e o norte da Europa. Para os cidadãos, estes no seu dia-a-dia também tiveram melhoras, como é no tema do roaming. É possível fazer algo mais na saúde, com as matrículas dos carros, da educação. As escolas de negócios portuguesas começam a ter uma grande visibilidade. É possível potenciar em todas as áreas.

– O que o futuro tem guardado para a Câmara do Comércio Luso-Espanhola?

Vamos tentar dar o nosso melhor contributo para reforçar o papel da Câmara de Espanha no exterior. Isto também a ver com a importância das empresas envolvidas, o peso das relações comerciais e a proximidade entre os dois países. Vamos fazer projetos novos e melhorar, se possível, o que já está a funcionar muito bem. Digitalizar muito mais. Se calhar esta era uma parte que estava um pouco mais atrasada. Também vamos tentar aproximar-nos mais dos nossos sócios, em especial daqueles que não estão em Lisboa. Temos a vontade de tentar fazer mais coisas no Porto. Vamos ver em que modo podemos abrir no Porto, se vamos ter uma estrutura própria com uma pessoa, e um delegado que vão acompanhar as grandes empresas que fazem parte da Câmara e têm sede na cidade. Compreendo que se sintam um pouco abandonados. A Câmara quer estar onde estejam os investimentos e onde possamos ser úteis.

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