Como nasceu a “Estratégia Comum de Desenvolvimento Transfronteiriço”?
A 21 de novembro de 2018, realizou-se em Valladolid a XXX CIMEIRA Luso-Espanhola, presidida pelo Primeiro Ministro de Portugal, António Costa, e pelo Presidente do Governo da Espanha, Pedro Sánchez.
Nessa Cimeira, a cooperação transfronteiriça luso-espanhola foi abordada com grande interesse e discutiu-se o desafio demográfico que ambos os países enfrentam. A fim de se encontrar uma solução conjunta para resolver a situação, os governos de Portugal e Espanha assinaram um Memorando de Entendimento.
O Memorando de Entendimento entre o Governo de Espanha e o Governo da República Portuguesa para a Definição de uma Estratégia de Desenvolvimento Transfronteiriço Comum criou um Grupo de Trabalho com o objetivo de definir essa mesma estratégia.
Com quem as associações, personalidades e instituições reuniram-se para preparar esta negociação?
Esta Estratégia, para ser significativa e ter o impacto que queremos que tenha, tem de ser uma estratégia de todos e construída por todos. Foi por isso que trabalhámos para envolver todas as diferentes áreas do Governo português e para incluir a colaboração dos múltiplos agentes dos territórios transfronteiriços: comissões de coordenação e desenvolvimento regionais, autarquias locais, comunidades intermunicipais, instituições de ensino superior, laboratórios colaborativos, centros tecnológicos, associações empresariais e de desenvolvimento local, empresas, comunidades de trabalho transfronteiriças, agrupamentos europeus de cooperação territorial (AECT), Eurorregiões, Eurocidades e outros agentes de Cooperação Transfronteiriça (com ou sem personalidade jurídica). Foi um trabalho extenso, mas muito enriquecedor. E confiamos que se vai refletir na forma como estas associações e instituições se vão rever na Estratégia Comum de Desenvolvimento Transfronteiriço.
Como foi a experiência de negociar com a secretária-geral para o Desenvolvimento Demográfico do Governo espanhol, Elena Cebrián?
O processo negocial com a delegação espanhola, encabeçada pela Secretária-Geral do Desafio Demográfico, foi extremamente construtivo e proveitoso. A partir do momento em que se definiu a metodologia de trabalho, de base flexível e aberta, foi possível obter uma negociação dinâmica, eficaz e muito produtiva. E houve sempre, devo dizê-lo, um ambiente de confiança, de cooperação e de abertura que contribuiu muito para o trabalho muito positivo que pudemos fazer em conjunto.
Que resistências encontrou da parte espanhola nas conexões de infraestruturas ou de outro tipo?
Num processo de negociação entre dois Estados existe sempre a defesa das prioridades de cada um, que nem sempre são as mesmas. E isso é natural e é algo que, neste processo, foi sempre respeitado de parte a parte. Portanto, não são vistas como resistências. O objetivo do processo é, precisamente, o de encontrar o ponto onde as prioridades de ambos os lados se juntam, ou seja, o interesse comum que queremos defender. Neste caso, devido ao facto da Estratégia Comum de Desenvolvimento Transfronteiriço ter surgido por um Memorando de Entendimento assinado entre o Governo de Espanha e o Governo de Portugal, foi possível estabelecer uma relação de confiança, desde o início, entre ambas as partes. Mais, teve-se sempre presente o objetivo de garantir a sustentabilidade futura dos territórios transfronteiriços, tornando-os lugares atrativos para viver, trabalhar e investir. Esse era claramente um objetivo comum, e confio que vai ser atingido.
As relações entre Espanha e Portugal, em muitas ocasiões, estavam envoltas num clima de suspeição e desdém. A verdade é que a maioria dos meios de comunicação espanhóis não presta muita atenção a Portugal? O que acredita que pode ajudar a reverter esta inércia histórica e qual é o papel que a Raia pode ter nisto?
Os territórios transfronteiriços de Portugal e Espanha, apesar de contextos específicos, têm vindo a seguir dinâmicas históricas, políticas, económicas, sociais e culturais que em alguns pontos têm sido algo semelhantes. Essa semelhança favorece e facilita o desenvolvimento de relações de cooperação estáveis. A raia assume um papel estratégico no fortalecer das relações dos dois países, a todos os níveis, pois quanto mais integrados estiverem os territórios de fronteira, mais robustecidas serão as suas relações. Quanto mais atentos estivermos ao que acontece nesta fronteira, mais atentos estamos aos problemas dos nossos dois países e mais facilmente encontramos soluções comuns para os resolver. Esperamos que esta Estratégia, bem como a Cimeira Ibérica em que ela vai ser apresentada, possam ter um impacto positivo e ser uma chamada de atenção para a realidade do quotidiano destes territórios.
Porque motivo não se pode ver a televisão portuguesa nas principais plataformas digitais de televisão em Espanha como se podem ver canais norte-americanos, ingleses ou franceses?
Penso que essa terá de ser uma pergunta para as plataformas digitais de televisão em Espanha. Pelo que sei, não existem condicionalismos institucionais que impeçam a emissão dos canais portugueses. E também posso dizer que não tenho conhecimento de quaisquer obstáculos tecnológicos a essa transmissão.
Existe uma certa sensação de incumprimento de prazos quando observamos as declarações conjuntas nas anteriores edições da Cimeira Ibérica. Que novidades traz esta Cimeira nesse sentido?
A aprovação da Estratégia Comum de Desenvolvimento Transfronteiriço será um marco central na Cimeira da Guarda. É a primeira vez na história de Portugal e Espanha que se aprova um documento estratégico dedicado aos territórios transfronteiriços, abrangendo um leque variado de áreas de intervenção, que quando aplicadas terão um impacto indiscutivelmente positivo nas populações e empresas. Mais ainda, esta Estratégia vai ser monitorizada anualmente, porque este trabalho só faz sentido se formos acompanhando os resultados e a evolução da implementação da Estratégia. Essa é a grande novidade desta Cimeira. No que toca a esta Estratégia é de salientar que, até à data, todos os prazos foram cumpridos, apesar de termos enfrentado e continuarmos a enfrentar uma pandemia. Se essa sensação existe, então espero que esta seja uma boa oportunidade para a fazermos desaparecer. É por isso que vamos trabalhar.
Vai ser restabelecida a conexão ferroviária do Lusitania Express entre Madrid e Lisboa?
Todas as medidas que integram a Estratégia Comum de Desenvolvimento Transfronteiriço serão conhecidas em detalhe na próxima Cimeira. No que toca à mobilidade transfronteiriça e à melhoria de infraestruturas de conectividade territorial, é já claro que esses vão ser dois dos eixos estratégicos em que a Estratégia vai assentar, por isso todos os assuntos que esses eixos englobarem estão a ser tidos em conta nas negociações.
A Cimeira Ibérica será no dia 2 de Outubro? Durará um dia? Quem participará? Quais serão as suas responsabilidades nesta Cimeira?
A cimeira terá a duração de um dia e vai realizar-se no dia 2 de outubro, na Guarda. A sua organização, incluindo participantes e aspetos logísticos, está em curso numa estreita pareceria entre os dois países.
Vai ser reformado o Tratado de Valencia?
Os dois países estão em permanente diálogo, sempre numa relação de proximidade, de abertura e de grande respeito mútuo. O que lhe posso dizer, daquilo que retiro das negociações desta Estratégia, é que sempre que ambos os países entendam necessário, as boas relações bilaterais que temos poderão ser atualizadas no sentido de serem melhoradas.