Vivemos uma barafunda informativa. Não há normas, não há limites. Alguns se deleitam em publicar falsidades. Outros produzem conteúdos falhos não por maldade, mas por falta de rigor e por desconhecer fontes de dados adequadas.
O mundo da informação está de pernas pro ar. De um lado, produtores de todo tipo: jornalistas profissionais, criadores de conteúdo para redes sociais e disparadores de Whatsapp sem nenhuma responsabilidade. De outro, o público consumidor, que anda muito confuso e já não sabe discernir entre seriedade e oportunismo. Estou farto de ver informação “requentada”, com dados errôneos ou antigos, discursos superficiais, achismos e, em casos extremos, a mentira pura e dura.
Porém, não quero aqui, neste artigo, tratar da polêmica das fake news, dos interesses escusos, da má-fé, das intenções sórdidas e do profundo dano que essa prática vem causando à sociedade, chegando aos absurdos casos da judicialização da política a partir de notícias falsas que temos visto ultimamente na Espanha (e também, já há algum tempo, em outras paragens ibéricas e ibero-americanas). Isso talvez possa ser tema para outro texto. Ou talvez não. É cansativo e nada agradável se escarafunchar em toda essa lama.
Este artigo tem uma pretensão algo mais edificante: tentar ajudar quem, mesmo não sendo profissional da comunicação, gosta de produzir artigos, vídeos, podcasts etc., tem preocupação com a qualidade da informação que divulga e é consciente da responsabilidade de sair por aí difundindo conteúdo. A internet tem tal poder amplificador que, uma vez publicado na rede, o material rapidamente ganha o mundo e foge ao controle de quem o produziu. Então, é bom mesmo ser responsável e poder dormir tranquilo todas as noites.
Onde colher informação?
As boas fontes são muitas e a escolha vai depender do tipo de conteúdo planejado, das características do veículo e do público, entre outros fatores. Cada caso é um caso. Falaremos aqui em linhas gerais, mas que servem de alerta e baliza a quem pretende publicar.
Obviamente, a melhor informação é aquela colhida ao vivo, sem mediadores. É o que fazem muitas vezes, por exemplo, meus colegas do EL TRAPEZIO. A cada evento, a cada acontecimento relevante relacionado com o mundo ibérico, é costume da casa enviar algum de seus profissionais para fazer a cobertura jornalística in loco, presencialmente, trazendo ao leitor conteúdo de primeira mão.
Mas a presença física nem sempre é possível. A internet parece ter acomodado as redações e muitos jornalistas atualmente pouco levantam as nádegas da cadeira. Há que se considerar também que, muitas vezes, o que impede o envio de um correspondente ao local da notícia é a falta de orçamento. Seja como for, se a solução for usar a internet, é preciso usá-la com cabeça, evitando sempre que possível sites como o Wikipédia ou os resultados de buscas simples no Google, que podem nos levar a fontes nada confiáveis.
Para informações oficiais, sites oficiais. Hoje em dia, com leis de transparência vigorando em vários países, há muito material acessível, desde cifras concretas de orçamentos e investimentos a dados estatísticos das mais diversas áreas, contratos, relatórios, programas, projetos ou previsões. E a quantidade de organizações a se consultar – governamentais ou não – é imensa: ONU, UNESCO, senados, câmaras, prefeituras, embaixadas, ministérios, universidades, conselhos profissionais de todas as áreas, associações e um longo etcétera.
A internet nos possibilita acesso também a alguns tesouros relativamente escondidos, já que acredito que pouca gente tenha o hábito de usá-los. Refiro-me às bibliotecas virtuais, que se desenvolveram muito nos últimos anos e trazem acervos realmente incríveis. O assunto me parece tão importante que vou abrir aqui abaixo um novo subtítulo.
As boas bibliotecas ainda são imprescindíveis
Vocês podem me chamar de saudosista, mas, pra mim, o bom e velho livro ainda é insubstituível como fonte de informação (livros de bons autores e boas editoras, claro). E agora, mais do que nunca, há um acervo bibliográfico grandíssimo que pode ser consultado também por internet. Ou seja, temos aí a feliz união da tradição livreira com a modernidade tecnológica.
Para artigos escritos ou inclusive para vídeos de Youtube e Instagram, a consulta nessa fonte primária que são os livros pode marcar toda a diferença entre os criadores de conteúdo, principalmente se a informação depender de dados documentais históricos. Vou citar e comentar alguns exemplos disponíveis em acesso aberto, com foco no mundo ibérico e ibero-americano.
Começo com a Biblioteca Digital del Patrimonio Iberoamericano (BDPI). Se você já esteve na Biblioteca Nacional da Espanha, sabe a enormidade de documentos que aquele belo edifício guarda. Multiplique todo esse acervo por dez. Assim é mais ou menos a BDPI, que reúne materiais digitalizados das Bibliotecas Nacionais de quase todos os países ibero-americanos, Espanha e Portugal incluídos. É uma riqueza documental quase inimaginável: livros, revistas, jornais, mapas, fotografias, partituras musicais, registros sonoros, manuscritos… é de enlouquecer qualquer curioso. Só como exemplo, em uma busca rápida por Pablo Neruda, encontrei não somente muitos livros digitalizados, mas também áudios com a voz do próprio Neruda declamando alguns de seus poemas. Há também uma coleção impressionante sobre a Guerra do Paraguai (ou Guerra da Tríplice Aliança), com centenas de materiais, incluindo mapas detalhados de algumas batalhas e a posição exata das tropas, trincheiras, fortificações, peças de artilharia, entre outros muitos dados. Tudo isso está aí para quem quiser consultar. Se você vai produzir algum conteúdo sobre Pablo Neruda, Guerra do Paraguai ou qualquer outro tema, não há fonte melhor do que os documentos originais.
Eu acabei me estendendo demais para falar dessa primeira biblioteca e, por isso, serei bastante breve nas próximas. Ainda tenho muitas dicas e vale a pena ir anotando todas elas. Vamos lá.
Outra fonte preciosa é a Biblioteca Virtual de Prensa Histórica (BVPH), mantida pelo Governo da Espanha. É na verdade uma hemeroteca que oferece acesso aberto e gratuito a mais de 1,3 milhão de jornais e revistas provenientes de 103 bibliotecas desse país. É claro que o acervo não traz apenas publicações espanholas, já que as boas bibliotecas da Espanha têm vasto material da América Latina e de todo o resto do mundo. Na mesma linha dessa última, também gerida pelo governo espanhol, existe a Biblioteca Virtual del Patrimonio Bibliográfico (BVPB). Novamente, aqui é tudo grátis e o patrimônio é imenso.
Saindo das obras patrimoniais, temos bons exemplos de bibliotecas de acervo contemporâneo e que podem ser consultadas digitalmente. Em Portugal, a grande iniciativa é a PORBASE – Base Nacional de Dados Bibliográficos, na qual colaboram a Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) e mais de 170 bibliotecas portuguesas. A rigor, a PORBASE não é uma biblioteca digital, e sim um catálogo. Acontece que o seu conteúdo digitalizado está no Google Scholar, de acesso aberto. E se o interesse é Portugal, não deixe de consultar também a versão digital da Biblioteca Nacional de Portugal, que é a Biblioteca Nacional Digital. Obviamente, nessas instituições portuguesas você encontrará amplo material sobre o Brasil, tantos fundos históricos quanto atuais.
No âmbito especificamente acadêmico, existe muito material em acesso aberto. Mas quero destacar aqui três iniciativas que concentram principalmente temas ibero-americanos: a Red Iberoamericana de Innovación y Conocimiento Científico (REDIB), o site Dialnet e a Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal (REDALYC).
Além de tudo isso, sempre vale a pena dar uma olhada nas páginas web das bibliotecas nacionais de cada país, que vêm aumentando cada vez mais a digitalização de seus acervos. Enfim, existem muitas fontes que podem gerar excelentes frutos. Acho que um dos parâmetros de seleção é verificar se a instituição consultada faz parte de algum governo, ministério ou universidade de renome. Geralmente, tudo o que é publicado nessas fontes oficiais passa por muitos crivos antes de ir ao ar.
Na lista de sugestões que dei acima, não coloquei os links para cada uma das instituições, pois achei que poluiria muito o texto e atrapalharia a leitura. Mas é muito fácil encontrá-las na internet.
Um comentário final: produzir bom conteúdo leva tempo. Cada frase escrita e cada afirmação pronunciada tem que ser pensada e repensada. O medo de falar besteira deve conviver com o produtor de conteúdo. É um medo saudável. Às vezes, escrever um artigo ou um roteiro de vídeo para Instagram ou Youtube pode exigir horas e horas de leitura prévia. Não se preocupe. Melhor assim do que ter dores de cabeça depois.
Sérgio Massucci Calderaro