Rui Macedo: «Já não há fronteiras. A arte que se faz em Portugal não é diferente do que se faz em Espanha»

Até 8 de setembro, o Museu Extremenho e Ibero-americano de Arte Contemporânea, em Badajoz, expõe o trabalho do artista eborense

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Rui Macedo (1975, Évora) pinta o jogo da vida ou, como diz o comissário José Alberto Ferreira, o jogo entre aquilo que o espectador reconhece e o que acredita reconhecer. Doutorado em Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, faz do campo visual o seu espaço de trabalho e recriação, tentando sempre um diálogo com quem vê a sua obra e propondo uma função lúdica e performativa da pintura que ultrapassa os limites do convencional.

Já habituado a expor em Espanha, a sua mais recente mostra, Aparato, está em exibição desde maio no Museu Extremenho e Ibero-americano de Arte Contemporânea (MEIAC) em Badajoz, podendo ser vista até ao dia 8 de setembro. Uma proposta em colaboração com a Fundação Eugénio de Almeida, em Évora, com a qual o MEIAC dinamiza desde 2019 o projeto Campo Abierto/Campo Aberto, que visa dar apoio e visibilidade a artistas nascidos ou residentes tanto na Extremadura espanhola como no Alentejo.

 

O que nos conta este Aparato?

É uma exposição exclusivamente concebida em pintura, que sempre me interessou e na qual o meu trabalho tem assentado nos últimos 20 anos. Trata questões inerentes à pintura com um piscar de olhos à história da arte. Neste sentido, vai buscar inspiração à avalanche de imagens em que andamos mergulhados, muitas delas de uma banalidade assustadora, que fazem parte do nosso contexto diário e acabam por contaminar a produção artística. A facilidade com que hoje se tiram imagens (às vezes tiramos cem para escolher uma, ou mesmo nenhuma) retira a preocupação estética daquilo que se está a fazer. O gesto de fotografar passou a um gesto de auxílio de memória.

Daí surge o “aparato”, esta grande encenação para algo que não tem necessariamente grande substância. Quando pensei neste nome, pensei em expressões populares como “tanta parra para tão pouca uva”. A ideia de um jogo tão faustoso que, muitas vezes, não dá em nada, e que eu relaciono também com a minha incapacidade de produzir novas imagens. Para quê mais? Já temos tantas e, por vezes, tão desnecessárias…

 

Então, como define a sua intervenção artística?

Eu tento criar não-imagens. Penso as minhas exposições como um todo, em que cada pintura tem a sua função no espaço, como numa equipa de futebol. A minha ideia é fazer um jogo com o visitante, ligado às expectativas que este tem de uma exposição de pintura. Todos nós temos imagens mentais de pinturas que nos acompanham, com um determinado enquadramento na história da arte. Mas a pintura é um palco para qualquer coisa que está fora da realidade. Já sabemos que é um espaço à parte daquele em que nós estamos.

Portanto, quando faço as minhas exposições, tento ativar no espectador mais do que a visão, criando um contexto performativo que obriga a mexer, a andar para a frente e para trás, a baixar, etecetera. Algo que ultrapassa a mera contemplação, no sentido em que a pintura pode ser mais do que isso quando foge da sua coordenada convencional. Por exemplo, nesta exposição, há uma pintura que representa mimeticamente uma grelha de ar condicionado e que é colocada entre duas grelhas reais que serviram de inspiração. Mas é uma pintura que não se vê dessa maneira, sobre a qual o público não tem a expectativa de olhar como pintura. Uma não-imagem, diria, porque não se espera como imagem. Nesse sentido, poderá estimular quem sai da exposição, envolvido neste jogo, a ficar mais atento a situações para além do óbvio, das quais o campo artístico poderia ser mais rico.

 

Esta mostra já esteve também, até abril deste ano, no Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida. Como surgiu o convite para expor no MEIAC?

Na verdade, a exposição foi pensada para os dois espaços, porque a Fundação Eugénio de Almeida, em Évora, estabeleceu um protocolo com o MEIAC para que artistas do Alentejo se apresentem lá também. Daí surgiu o convite. Mas como não gosto de repetir exposições, acabei por fazer a contraproposta de criar uma “parte dois” da exposição que não fosse exatamente a mesma. Portanto, no MEIAC, mais de metade das pinturas expostas não estavam na primeira exibição. O título manteve-se, ambas tratam os mesmos assuntos, mas é como se uma fosse a variação da outra.

 

Como olha, então, para este programa de cooperação entre o Alentejo e a Extremadura?

Acho que é muito importante porque, em todas as regiões, há artistas com obra que merece ser vista (e público interessado também). Há que considerar neste caso, claro, que tanto o Alentejo como a Extremadura são lugares periféricos no contexto da arte contemporânea. Mas este programa faz com que artistas que, muitas vezes, já não estão a trabalhar na região sejam, de certa forma, chamados a casa. Cria uma espécie de oásis em duas instituições muito credíveis, dois pulmões da arte, com exposições muito bem estruturadas e com condições para serem feitas. E tem a vantagem de funcionar nas duas direções, permitindo a internacionalização dos artistas, abrindo o campo de observadores do trabalho, enquanto dá a oportunidade às comunidades locais de apreciarem obras que podiam estar nos ditos centros da arte contemporânea.

 

Anteriormente já expôs também em cidades como Valência, Madrid e Gijón. O que destaca dessa experiência?

Felizmente tenho sido muito bem recebido. Comecei em Valência, no IVAM [Instituto Valenciano de Arte Moderna], que é um espaço incrível. Depois em Madrid, no Museu Nacional de Artes Decorativas, apresentei uma intervenção muito fora da caixa, tendo em conta que era uma exposição de arte contemporânea dentro de um museu onde isso não é previsível. Utilizei todo o piso térreo do museu, onde as salas foram esvaziadas e remontadas de raiz só com peças de acervo que nunca tinham sido mostradas, conjugadas com cerca de 80 pinturas que eu fiz de propósito para a exposição e que se relacionavam com os objetos selecionados. Essa correu muito bem, foi muito surpreendente. E finalmente em Gijón, na Capilla de la Trinidad, fiz outra exposição em site-specific muito interessante.

 

Sente-se artisticamente próximo de Espanha?

Não propriamente. Principalmente na Europa e na América do Norte, os artistas veem facilmente o que é feito por outros artistas noutros continentes, o que, de alguma maneira, nos influencia. Nós respondemos, interagimos com as obras daqueles que estão à nossa volta. Já não há fronteiras. Aquilo que se faz em Portugal não é diferente do que se faz em Espanha, já não existe a arte de um país. Embora haja movimentos que associamos a países, como a trans-vanguarda italiana ou o expressionismo alemão, ou algumas tentativas de criar artes nacionalistas, sobretudo em Estados totalitários.

 

Continuando a falar de territórios, que memórias tem da sua cidade natal?

Ótimas. Apesar de viver em Lisboa, vou com alguma regularidade a Évora. Tive aquilo que se pode dizer de uma infância privilegiada. Há 40 anos, Évora era uma cidade tranquila, onde podíamos brincar na rua sem problemas. Dávamos caneladas uns nos outros, ganhávamos defesas a comer terra, fazíamos essas coisas todas que, hoje, parecem (e são) de um outro tempo ao vermos as crianças agarradas aos ecrãs. São mesmo experiências diferentes. Também tive a sorte de ter um professor no secundário, o António Coxo, absolutamente incrível. Tive-o desde o 8.º até ao 12.º ano, uma coisa muito irregular, e isso foi uma sorte porque nos demos sempre muito bem. Ele foi uma pessoa muito importante no meu desenvolvimento, artístico também.

 

Ia a Espanha muitas vezes?

Não. Os meus pais eram muito caseiros [risos]. Não me lembro da primeira vez que fui a Espanha, mas a memória mais rica que tenho disso foi, quando já estava na faculdade, de ir à ARCO [feira de arte contemporânea]. Fomos de avião, lembro-me disso também. Foi uma viagem extraordinária.

 

São todos estes lugares que moldam, no fundo, o seu olhar artístico.

Sim. Mas essas influências não estão necessariamente espelhadas nas pinturas. Lembro-me, quando estava a preparar estas exposições, de uma sensação de responsabilidade imensa por ir apresentar o meu trabalho à minha cidade natal. Questionava-me sobre isso, sobre esse nervosismo de querer fazer o meu melhor, de pôr a fasquia mais alta por ir expor na cidade onde nasci. Refletindo agora, se isso não tivesse acontecido, eu acharia que não seria possível. De facto, não preparei esta exposição como prepararia para outra cidade qualquer. Esta foi diferente.

 

Ainda assim, ser ibérico faz parte da sua identidade?

Acho que sim. Por exemplo, Portugal é tão pequenino, mas muito diverso. Quando conhecemos as pessoas, percebemos as diferenças das maneiras de ser, que também estão relacionadas com a cultura de um lugar. E, de facto, parece haver nos alentejanos e nos extremenhos uma maneira de estar parecida, mais acabrunhada, virada para dentro. Claro que há sempre exceções, não somos um rebanho de ovelhas, mas acho que também tenho essas características, ou pelo menos as pessoas reconhecem-nas em mim.

Agora se sou ibérico… É preciso ver que a Ibéria é muito diversificada. Há portugueses e espanhóis com os quais não me identifico diretamente, mas com os extremenhos sim. Acho que o Alentejo e a Extremadura são iguais, pelo menos, na planície. É nesta região que estou integrado e me sinto bem.

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