19/04/2025

Entrevista a Isabel Rio Novo antes do encontro de escritores hispano-lusos em Zamora, no dia 13 de novembro

Neste ano de 2024 se comemora o V centenário do nascimento do maior poeta português: Luís Vaz de Camões

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Dado que neste ano de 2024 se comemora o V centenário do nascimento do maior poeta português: Luís Vaz de Camões, Zamora tem todo o prazer em receber, o dia 13 de novembro, a escritora Isabel Rio Novo, autora da biografia: Fortuna, Caso, Tempo e Sorte, Biografia de Luís Vaz de Camões.

Isabel Rio Novo é doutorada em literatura comparada pela FLUP. É professora universitária de história de arte e de escrita criativa.

É também autora de romances de grande sucesso como Rio do esquecimento (2016), finalista do prémio LeYa e semifinalista do prémio Oceanos e Rua de Paris em dias de chuva (2020) finalista do prémio Europeu de Literatura e do premio de Narrativa do PEN Clube.

Publicou também em 2019 uma biografia sobre a escritora Agustina Bessa Luís intitulada O Poço e a Estrada.

Os dois protagonistas das suas biografias têm raízes espanholas. Comecemos com Agustina Bessa Luís.

Para a elaboração de esta biografia, viajou até Zamora? Visitou concretamente a aldeia de Corrales del vino?

Não cheguei a viajar até Zamora, nem a Corrales del Vino, mas tive acesso a um acervo de fotografias da família, representando esses lugares relacionados com Agustina na época dos seus avós maternos e dos seus pais.

Encontrou alguma referência significativa às origens castelhanas da escritora Agustina Bessa Luís?

Pelo lado materno, Agustina procedia de uma família da aristocracia provinciana espanhola, com origens em Zamora. Lourenço Guedes Ferreira, o avô materno, de origens durienses, trabalhou na construção dos caminhos de ferro da linha do Tua e um dia conheceu uma rapariga natural de Corrales del Vino, de quem se enamorou ainda a primeira mulher era viva e com quem, ao enviuvar, rapidamente decidiu casar. A escritora deixou muitas referências às suas origens espanholas, não só em entrevistas e textos memorialistas, mas também na sua obra de ficção, principalmente no romance Memórias Laurentinas. E diga-se que o nome próprio da escritora (Agustina) era uma homenagem às origens espanholas da mãe.

Zamora é uma cidade que faz fronteira com Portugal. Acha que ainda é necessário apoiar estes encontros entre autores portugueses e espanhóis? Isto é, ¿deveria haver um conhecimento maior do que temos em termos de literatura em ambos os dois lados da Raia?

Claro que sim. As fronteiras políticas significam pouco em matérias culturais e literárias. No caso de Agustina, o legado espanhol era importantíssimo. A escritora falava espanhol fluentemente, em espanhol ouviu as primeiras histórias. Quando entrou na escola, era boa aluna, mas tinha má ortografia, porque misturava o português e o espanhol.

Agora neste dia da inauguração de este encontro teremos o prazer de ouvi-la falar de Camões. Mas curiosamente as raízes camonianas tem a ver também com a Galiza, não é?

Sim. O primeiro Camões em Portugal veio da Galiza. No século XIV, um nobre chamado Vasco Pires ou Perez de Camões oriundo de Camós veio da Galiza para Portugal, porque tinha apoiado as pretensões do rei português D. Fernando. Em Portugal, foi agraciado com várias benesses, mas, porque depois apoiou os castelhanos contra o futuro rei D. João I, caiu em desgraça. Camões foi trineto deste nobre.

Camões, sendo português, é também um orgulho para a literatura espanhola. Deveriam ter sido promovidos mais eventos hispano-lusos para a celebração deste genial poeta português?

Ainda vamos a tempo. Estamos a falar de um Poeta que foi, efetivamente, também de Espanha, pelo menos enquanto durou a monarquia dual (1580-1640), durante a qual os reis de Castela foram também reis de Portugal. Logo em 1580, houve duas traduções de Os Lusíadas, em Salamanca e em Alcalá de Henares. Ao entrar em Lisboa já depois de ter sido aclamado rei pelas Cortes de Tomar, Filipe II quis saber de Camões e ficou muito desgostoso quando lhe contaram que o Poeta tinha morrido há pouco. O episódio deve ser verídico, pois o próprio Faria e Sousa, na dedicatória da edição de 1639 de Os Lusíadas a Filipe IV, fazia menção dessa iniciativa do avô do destinatário. O próprio Faria e Sousa redigiu e publicou os seus comentários em castelhano.

Desde esta cidade poderemos lanzar um apelo para que estas parcerias ibéricas sejam mais frequentes?

Pelo menos comigo, podem contar.

Na biografia há especialmente três cidades que foram marcantes na vida do poeta: Porto, Lisboa e Coimbra.

O Porto pode ter sido o lugar do nascimento de Camões. Coimbra foi, seguramente, a terra onde Camões se criou, se formou intelectual e culturalmente, graças a um tio paterno que era, ao mesmo tempo, prior do Mosteiro de Santa Cruz (um importante centro de conhecimento, detentor de uma livraria riquíssima, com manuscritos que nós sabemos que Camões consultou) e cancelário da universidade. Lisboa, capital de um Reino e de um Império, foi a cidade para onde veio com cerca de vinte anos, e onde começaram as suas aventuras e desventuras, digamos. A estas três cidades eu acrescentaria outra: Goa, capital do então império português do Oriente, para onde Camões embarcou em 1553.

Pode dizer, mais menos o tempo que lhe levou o estudio, que evidentemente é rigorosíssimo, deste fascinante escritor?

Cerca de cinco anos.

Qual característica da pessoa, do homem lhe chocou mais?

Houve várias coisas que não diria me chocaram, mas me surpreenderam, até porque esta biografia me permitiu conhecer o indivíduo de carne e osso que existiu antes do mito ou do poeta sublime, que são as dimensões de Camões que nos ensinam na escola. Surpreendeu-me, por exemplo, um Camões que escrevia por encomenda (cartas, poemas, requerimentos…), coisa perfeitamente normal para a sua época, ou um Camões arruaceiro, que andava em bando, ou um Camões viciado no jogo e, como um dos seus biógrafos antigos salientou, “jogador perdidoso”…

Camões foi marcado pela má sorte? Ou essa má sorte foi ele que a procurou?

Nem os seus primeiros biógrafos nem os seus amigos omitiram os defeitos ou deixaram de mencionar a «natureza terríbil» de Camões. Houve um que colocou a hipótese de ele ter «alguma propriedade natural que afastava os homens de lhe fazerem bem». E o próprio Camões aludiu várias vezes à má sorte que o perseguiu (o título que escolhi para a biografia não foi casual), mas nunca omitiu a sua quota parte de responsabilidade na vida atribulada que levou: «Erros meus, má fortuna, amor ardente”.

Como descreve perfeitamente na sua excelente biografia o amor foi sempre uma constante de desequilíbrio na vida de Camões. Quais foram os amores mais marcantes?

Camões foi um homem que se entregou a vários tipos de amores, que disse de si próprio que «em várias flamas variamente ardia». Mas um desses amores, por uma dama do palácio da rainha D. Catarina, esteve na origem de vários problemas, determinando o desterro de Camões, primeiro, no Ribatejo, depois, no Norte de África.

Aquí em Zamora neste ano a editora Sabaria editou e publicou a tradução do romance de Frederico Lourenço Puede un deso inmenso. Neste romance o autor brinca com a hipótese do homoerotismo em Camões. Do seu ponto de vista a amizade com o jovem Noronha estaria marcada pelo amor?

Quem leu esse livro diz que é um belo romance, mas é uma obra de ficção. Digamos que desde o Romantismo que os vazios da existência de Camões são preenchidos com ficção. No domínio da ficção, já conheci Camões os mais extravagantes: o Camões homossexual, o Camões que morreu virgem, o Camões que não escreveu Os Lusíadas, o Camões judaizante… Nenhum deles corresponde ao indivíduo Luís Vaz de Camões que viveu realmente, isso é certo.

O episódio da rapariga chinesa é mesmo comovente, foi assim tão marcante na vida de Camões?

Todas as circunstâncias em torno do naufrágio devem ter sido marcantes. Primeiro, o naufrágio dá-se quando Camões, por razões dúbias, é destituído do cargo de provedor dos defuntos que estava a desempenhar em Macau. Algures no percurso entre Macau e Malaca, a embarcação em que Camões regressava a Goa naufraga, junto ao delta do Mekong. Depois, porque no naufrágio Camões perde os bens de fortuna que tinha amealhado durante o desempenho do seu cargo, perde o dinheiro de que era depositário (o que lhe trata problemas com a justiça no regresso a Goa) e perde a rapariga chinesa (ou asiática) com quem vivera em Macau, com quem vinha embarcado e «muito obrigado», como diz Diogo do Couto. Isso deixa-o em sofrimento e com um sentimento de culpa que inspirou belos poemas.

No que diz respeito ao aspeto físico também não sabemos muito, mas no âmbito das suas pesquisas foi recuperado o retrato da Prisão do Tronco de Lisboa, não é?

Por acaso sabemos bastante, graças às descrições verbais dos contemporâneos e graças quer à cópia fidelíssima do retrato pintado em vida de Camões pelo pintor radicado em Portugal Hernán Gomez ou Fernão Gomes (o retrato que está na capa da biografia) quer ao retrato da Prisão do Tronco de Goa. Trata-se de uma miniatura, descoberta em 1972 e cujo paradeiro entretanto se desconhecia, que encontrei com muito empenho e muitíssima sorte. O retrato foi submetido a análises laboratoriais, que comprovaram a sua autenticidade e permitiram decifrar algumas inscrições meio apagadas.

Mas por falar em aspetos mais positivos na atribulada vida de Camões, Diogo de Couto significou uma grande amizade para ele, o que nos pode dizer sobre isso?

Camões era uns dezoito anos mais velho do que Diogo do Couto, mas isso não os impediu de terem uma “particular amizade” que começou em Goa, teve um ponto alto na Ilha de Moçambique e continuou no Reino. Na viagem de regresso a Lisboa, Camões ficou retido na Ilha de Moçambique. Couto foi lá parar, no ano seguinte, testemunhou o trabalho de Camões nos Lusíadas e noutra obra entretanto perdida chamada O Parnaso de Luís de Camões. E foi graças a Couto e uns quantos amigos que Camões pôde viajar, pois esses amigos cotizaram-se e saldaram a dívida de Camões para com Pero Barreto.

 

Isabel Rio Novo foi convidada para uma estadia em Zamora mais prolongada. No dia seguinte a sua presencia na Biblioteca de Zamora, teremos um encontro entre o escritor zamorano Tomás Sanchez Santiago e o escritor A.M. Pires Cabral, encontro que será cordenado pelo poeta Jesús Losada.

Também haberá uma palestra sobre Miguel Torga e el poeta sayagués Justo Alejo.

No dia 15 teremmos um encontro de poesia onde teremos um café literário amenizado com música portuguesa.

Infelizmente a Isabel Rionovo terá de deixar Zamora antes pois está a ser muito solicitada para falar sobre esta incontornavel biografia camoniana.