Mitos sobre Portugal (I)

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Um dos pontos essenciais para construirmos o Iberismo é debilitar os mitos e ficções nacionalistas construídos pelos Estados para as massas. Para muitas pessoas, em Portugal, falar em iberismo é trair a pátria, é trair os seus ancestrais e ir contra tudo o que aprenderam, seja na escola, seja no seu entorno, desde os mais queridos familiares aos estranhos que foram conhecendo pela vida fora. Diz-se e aprende-se que Espanha é/era o inimigo natural e que só a muito custo e com a união de toda a nação se conseguiu a liberdade que todos tanto desejávamos, tanto no início da fundação do reino, como após os infames 60 anos de miséria e destruição.

Esta narrativa tem tanto peso que pouca gente a ousa contrariar em público por medo do consciente irracional nacional dominante — nem sequer a esquerda dita revolucionária toca nestes mitos. Este patriotismo doentio é exactamente como uma religião e tal como não se pode entrar dentro de um templo religioso e afirmar que o seu deus não existe —pois estamos sujeitos a ser linchados por muita razão que tenhamos — tampouco é seguro falar sobre isto de forma aberta em Portugal. O delírio chega ao ponto de se afirmar que temos mais que ver com franceses, Italianos e até ingleses.

Sem embargo, a verdade está registada nos melhores livros de história e em textos de algumas das mais brilhantes mentes portuguesas. Eis uma breve lista de mitos portugueses e a sua (muito) sucinta desconstrução que impedem muita gente de pensar mais além.

Individualidade geográfica — Dizia Armando Girão, em Geografia física de Portugal, que as regiões portuguesas diferem mais entre si que comparativamente com as regiões espanholas a que directamente se ligam. Ninguém duvida que um português do Norte tem mais relação com um galego que com um algarvio. José Mattoso, eminente historiador português, conclui, de forma categórica, que Portugal foi uma construção do homem, não da natureza.

Os portugueses são descendentes dos lusitanos — Alexandre Herculano desbaratou esse mito afirmando que tudo falta para que haja racionalidade neste argumento: a conveniência de limites territoriais, a identidade da raça, a filiação da língua. Uma grande surpresa para muitos portugueses é que do outro lado da raia também se reivindica Viriato como herói nacional. De facto, afirma Mattoso contundentemente: “os portucalenses nunca foram propriamente um povo ou uma etnia, mas os súbditos de quem governava Portucale”. Se nem os habitantes do Condado Portucalense eram um povo ou uma etnia, imagine-se o resto do território reconquistado aos mouros. “Os vínculos étnicos entre estes diversos povos eram ténues ou inexistentes. Portugal não teve origem, portanto, numa formação étnica, mas numa realidade político-administrativa”.

Língua própria — Acreditar em uma língua portuguesa que descende directamente do Latim sem qualquer relação com o galego é um mito que continua nas mentes de muita gente. Fernando Venâncio, linguista, declara: “Ela [a língua] havia sido gerada na Galécia Magna, um território que o linguista Joseph Piel desenhou como descendo obliquamente duma longa linha de costa do Mar Cantábrico até ao Vale do Vouga. Por 1200, quando a Galiza e Portugal já encetaram caminhos políticos diferentes, esse idioma encontra-se estendido até ao paralelo de Lisboa.”  E prossegue: “Isto significa que, muito antes de Portugal (ou o seu núcleo inicial, o Condado Portucalense) existir, já o essencial deste nosso idioma era forma de comunicação ‒ mais uma vez, reconhecível, irredutível ‒ na Galécia…”. Concluindo: “A conclusão só pode ser esta: ainda que nunca houvesse surgido um Portugal, o fundamental deste idioma, o seu sistema, teria existido”. Além disso, o castelhano era falado e entendido por todos sem necessidade de qualquer tradução. Se ainda hoje nos é fácil entender castelhano, não é difícil imaginar como seria nos séculos passados.

Um artigo de opinião destas características não permite que se desenvolva muito mais, porém espero que alimente o interesse dos leitores em investigar com mais profundidade o que se toma por verdade absoluta — neste caso os mitos fundacionais dos vários regimes.

De qualquer forma estes mitos estão longe de terminar e no(s) próximo(s) artigo(s) irei referir-me a mais alguns.

 

Alexandre Nunes é licenciado em Estudos Europeus.

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