EL TRAPEZIO entrevista Sandra Guimarães: «Em Espanha sinto-me em casa»

A curadora e gestora portuguesa é a primeira pessoa a dirigir o Museu Helga de Alvear, em Cáceres, após um concurso internacional do qual saiu selecionada

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Quando, em maio deste ano, Sandra Guimarães soube que seria ela a comandar os destinos do Museu Helga de Alvear nos próximos anos, as palavras não lhe cabiam na boca. «Sinto-me extremamente feliz pela oportunidade única de poder trabalhar num museu como este, com um grande impacto artístico, e uma coleção tão singular, estimulante e que denota um grau de exigência elevado», declarou, na altura, a gestora natural do Porto.

A coleção de Helga de Alvear – colecionista alemã com um longo trajeto profissional e pessoal em Espanha – tem, de facto, o seu mérito, com obras de um sem-fim de artistas contemporâneos internacionalmente reconhecidos: Picasso, Kandinsky, Ai Weiwei e Nan Goldin, só para citar alguns. Um conjunto de elite que, depois de um concurso público internacional, iniciado em novembro de 2022, ganha agora uma nova guardiã. 

Segundo a Comissão de Avaliação que a escolheu, Guimarães destaca-se pela sua “carreira internacional” – que inclui a passagem pelo Museu de Serralves (Porto) e, mais recentemente, pelo Bombas Gens Centre d’Art, em Valência – bem como pelo «conhecimento e experiência em Portugal, considerado um país-chave no âmbito das relações a promover na nova fase que se abre para o Museu». O que nos levou a querer saber dos planos e anseios que a nova diretora tem em mente.

Como tem sido acolhida no Museu?

Tem corrido tudo muito bem, sinto-me muito bem recebida. Claro que acabo de começar, mas tem sido tudo muito intenso e bom. Acho que existe nesta cidade e nesta instituição uma boa energia, uma grande ambição, e estou muito feliz por poder participar na construção de aquilo que poderá vir a ser um exemplo para museus como este. Museus que parecem estar em lugares remotos, mas que são, na verdade, os centros ativos da investigação na arte. Por isso, estou muito feliz de estar aqui na Extremadura, em Cáceres, no Museu Helga de Alvear.

Já anunciou que a primeira exposição que irá coordenar no Museu será dedicada ao artista português Carlos Bunga. Por que tomou esta iniciativa?

Comissariei a primeira exposição antológica do artista Carlos Bunga em Espanha, em Bombas Gens, o centro que estava a dirigir em Valência. E, uma vez que existem obras dele no Museu Helga de Alvear, pareceu-me uma boa escolha trazer uma exposição que já está feita e adaptá-la com a inclusão dessas mesmas obras. Para que a Extremadura, aqui mais próxima de Portugal, possa conhecer o seu trabalho. E para que aqui, no Museu Helga de Alvear, possamos dar um passo mais longe, ampliando o nosso conhecimento do artista e aprofundando a sua obra.

De certa forma, fica mais próxima de casa…

Sim, mas confesso que não escolho os artistas pela sua nacionalidade. Para mim, a arte que me interessa não tem nacionalidade: está em diferentes geografias. Por isso, não escolhi o Carlos por ser português. Não. Escolhi-o por ter um trabalho que é, precisamente, universal, que enquadra questões contemporâneas.

Agora, devo dizer também que, pela situação geográfica deste museu, quero colocá-lo no mapa dos grandes museus de arte contemporânea internacionais. E, para tal, tenho como objetivo trabalhar pela proximidade com Portugal, assim como com outros países por este mundo fora. Mas quero fazê-lo a partir da coleção, que está viva e dinâmica. A Helga continua a comprar obras e algumas delas são de artistas portugueses: do Pedro Cabrita Reis, da Fernanda Fragateiro, do José Pedro Croft, entre outros. Ela sempre mostrou um grande interesse por Portugal, mas, de facto, a sua coleção não tem tempo nem lugar.

Ainda assim, é do interesse de Helga de Alvear, e do seu, adquirir mais obras de artistas portugueses para o Museu?

Ainda não falámos sobre isso, mas o que posso dizer é que a Helga não tem um plano fixo para as aquisições. E isso é algo que eu admiro muito. Ela compra muito por impulso, entusiasmo, e diz até que não coleciona artistas, mas sim obras de arte pelas quais se apaixona. Esta é a realidade. Ela não tem um critério cronológico ou um plano profissional. Daí eu dizer que a Coleção tem uma lógica singular: intuitivamente, não deixa de ter um sentido. Até agora, do que eu pude estudar, consigo perceber que ela se interessa muito pela arte abstrata, o minimalismo, a relação da arte com a natureza, para além de obras de grandes fotógrafos. Há uma lógica interna em tudo isto, muito interessante, que reflete bem o olhar de uma colecionadora compulsiva e apaixonada.

Na sua apresentação como diretora, também referiu que quer tornar o Museu mais próximo dos artistas e da cidadania. Como pretende concretizar isto?

Essa é uma grande vontade e um desejo meu: trazer cada vez mais artistas e possibilitar o encontro destes com os residentes de Cáceres, da Extremadura, e com quem nos possa vir a visitar. Isto é algo que já tenho vindo a fazer. Quero implementar aqui, por exemplo, um programa que realizei em Valência e chamei de Community Engagement, com o objetivo de construir uma obra de arte com a presença do artista e a participação das pessoas, bem como projetos de arte pública com a ajuda de escolas, universidades, entre outros organismos. Isso permite uma proximidade maior com a comunidade e trazer para o Museu pessoas que não tenham tido a oportunidade ou o interesse de o visitar. São projetos ambiciosos, mas eu acredito que, através da arte, podemos promover encontros, experiências, o exercício de uma certa liberdade e a produção de pensamento, ideias, obras… Enfim, construir um museu vivo, ativo e inclusivo.

Tendo em conta a sua experiência prévia, que ideia tem da arte contemporânea em Espanha e da forma como esta é apresentada ao mundo?

Estive no Canadá durante quatro anos, em Valência estive três… Eu acho que ainda tenho muito a aprender sobre o contexto da arte contemporânea em Espanha. Sinto que é cada vez mais dinâmico, tem uma grande energia, e o país tem grandes museus, instituições e artistas. Na verdade, fico muito feliz por poder trabalhar neste contexto, ainda que, em qualquer sítio onde esteja, trabalho sempre para ir além-fronteiras. Tento sempre perceber onde estou, ir ao encontro das pessoas, para que se sintam bem-vindas, e trabalhar com os artistas locais e de outros lugares. O que me interessa mesmo é ter uma boa plataforma para trabalhar: bons artistas, bons colegas. É o caso daqui. Devo dizer que, em Espanha, sinto-me em casa, e adoro trabalhar num contexto estimulante como este.

Qual será, então, o maior desafio de dirigir o Museu?

Bem… [risos]. Diria que dirigir um museu é sempre um desafio, uma luta constante. Se bem que a arte e os artistas estão constantemente em luta, como em outros setores. Acho que o importante neste momento é ter tempo para construir. Temos de ter ideias claras, prioridades, estratégias – eu penso muito assim – e tentar ao máximo utilizar os recursos que já temos antes de os aumentar. Sobretudo, ter energia e sermos apaixonados pela arte e pelos artistas, trabalhando lado a lado com eles para os ajudar a concretizar o projeto sonhado, ambicioso.

Mas talvez o grande desafio será fazer com que as pessoas gostem do museu e queiram voltar. Voltar sozinhas, com mais pessoas, e ter sempre uma experiência que seja, espero eu, transformadora, que as faça viajar e ter outra visão do mundo. Esse é um trabalho muito importante a fazer aqui em Cáceres a par com o trabalho com as escolas, para que as crianças da Extremadura possam conhecer o museu e cresçam a visitá-lo, como aconteceu há 20 anos em Serralves. 

Eu acho que o confronto com a arte é muito importante na vida de uma pessoa: torna o pensamento mais crítico, tolerante e aberto. E muda, muda tudo…

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