Ulisses Correia e Silva (Praia, 1962) chegou ao Governo em 2016 e em abril de este ano renovou o seu segundo mandato. Líder do Movimento para a Democracia (MpD), é formado em Economia e Gestão e conta com uma importante experiência no setor bancário antes de entrar na política. Entre 2008 e 2016 foi presidente da Câmara Municipal de Sal
– Cabo Verde conta com uma localização geográfica estratégica. Deveria ter um maior protagonismo num contexto internacional?
Estamos a construir esse protagonismo posicionando Cabo Verde como um país seguro, estável, cosmopolita, uma democracia de referência e uma economia aberta. Com base na estabilidade e na localização do país entre o continente africano, a Europa, o Brasil e os EUA, queremos posicionar Cabo Verde como uma plataforma onde se pode investir e exportar. Para além do turismo, existe bom potencial na economia marítima e na economia digital. A localização geoestratégica de Cabo Verde está a ser valorizada também do ponto de vista da segurança cooperativa e colaborativa, com relações especiais com a União Europeia e os EUA. Temos a ambição de ser um país relevante no Atlântico Médio pela estabilidade, abertura econômica e alianças estratégicas para a segurança.
– Próximo à Europa, próximo à África. Tem o melhor dos dois continentes?
E próximo também ao Brasil e aos EUA. Cabo Verde é uma nação com 560 anos de história que resultou de miscegenação entre a África e a Europa. Somos uma nação antes de ter sido um país independente, o que só aconteceu em 1975. Uma nação que ultrapassa o território nacional pois há mais cabo-verdianos na diáspora do que no país. Estou a falar da primeira, segunda e terceira geração que mantêm a identidade e a cultura cabo-verdiana transmitida de país para filhos. Cabo Verde é por isso a síntese de um mundo que poderia ser muito mais tranquilo em questões de identidade, de cultura, de religião e de tolerância.
– A sua democracia estável é o melhor cartão de visita para atrair os investimentos estrangeiros?
Sem dúvida. A qualidade da democracia e das instituições é importante para a estabilidade. E esta é determinante para a confiança, e a confiança é o ativo mais importante para os investidores.
– Cabo Verde é um país de renda média. Quais são os grandes desafios do país?
Na conjuntura atual, gerir bem a pandemia como temos feito, recuperar e relançar a economia e o emprego. Em termos estruturais, o maior desafio é tornar o país mais resiliente, menos vulnerável a choques externos, diversificar a economia e atingir os objetivos do desenvolvimento sustentável. Por isso é nossa prioridade da Agenda 2030, a transição energética, a transformação digital, a viabilização da agricultura através da dessalinização da água associada às energias renováveis, o desenvolvimento da economia azul e o turismo sustentável em todas as ilhas.
– Com um turismo que representa o 25% do PIB, a pandemia tem tido um impacto muito negativo para o país. Quando esperam recuperar economicamente?
Estamos a atingir 80% da população com 18 ou mais anos de idade com pelo menos uma dose de vacina. Até final de outubro atingiremos 50% da população adulta vacinada com duas doses. Este bom desempenho tem permitido a reabertura de hotéis e a retoma do turismo. O Reino Unido retirou recentemente Cabo Verde da lista vermelha. Esta decisão é muito importante tendo em conta que Reino Unido é o maior emissor de turistas para as ilhas do Sal e da Boavista. Em 2022 prevemos que a economia possa crescer entre 5 a 6%, iniciando assim o processo de recuperação econômica.
– As relações entre Espanha e Cabo Verde são boas. Como se podem reforçar?
Espanha é um parceiro importante de Cabo Verde e uma das principais origens de investidores privados externos em Cabo Verde. Temos uma comunidade cabo-verdiana antiga em Espanha, bem integrada. As relações são boas e podem ser reforçadas a nível político e diplomático, de parceria para o desenvolvimento e a nível do comércio e investimentos.
– Em que temas estão a trabalhar em conjunto?
Temos hoje um melhor quadro de atração e desenvolvimento de investimentos e negócios com a Espanha graças ao Acordo para evitar a dupla tributação e evasão fiscal, já assinado, e que já entrou em vigor. Com o mesmo objetivo, estamos a trabalhar conjuntamente um projeto de Acordo de Promoção e Proteção de Investimentos. Temos em preparação um “Acordo da nova geração” no quadro do novo marco estratégico da política externa espanhola com África, o «III Plano África». É um documento de cooperação avançada, enquadrador e plurianual de cooperação técnico-institucional entre os dois países.
– As Canárias tem uma ligação ainda mais próxima. Gostavam de ter um desenvolvimento económico e turístico similar ao do arquipélago espanhol?
Claro que sim. Somos ilhas da Macaronesia e ambicionamos o desenvolvimento sustentável. Em novembro deve-se realizar a VI Reunião de Alto Nível, Cabo Verde/Região Autónoma das Canárias. Estarei a representar Cabo Verde. Será um bom momento para reforçar as relações com as Canárias.
– Como se tem beneficiado Cabo Verde do seu Estatuto de Associação Especial com a EU?
A parceria especial de Cabo Verde com a União Europeia tem permitido ao país o acesso a financiamentos de investimentos importantes para o desenvolvimento do país, acordo de mobilidade para cidadãos cabo-verdianos e um diálogo político diplomático importante com as estruturas da UE. Cabo Verde tem paridade da sua moeda com o euro desde 1998, o que transmite estabilidade cambial e confiança nas relações comerciais e é uma referência para a política orçamental e monetária do país. Desde 2019, os cidadãos da UE podem viajar para Cabo Verde sem necessidade de visto, bastando o registo prévio em plataforma digital. Estas iniciativas configuram um quadro de relações estruturantes com a UE assente em valores partilhados, na parceria especial, na vizinhança e nas relações políticas e econômicas privilegiadas.
– O acordo de pesca existente com a EU é satisfatório para Cabo Verde? Garante uma pesca sustentável?
É satisfatório. O último acordo foi melhorado, apoia as comunidades piscatórias e garante melhores condições e regras para a pesca sustentável. É claro que se trata de acordo que pode ser melhorado em cada processo negocial.
– O país ocupa um papel de destaque na defesa do Atlântico. Merece um lugar na NATO? Como estão as negociações?
Respondo que é do interesse de Cabo Verde ter um papel útil na segurança transnacional, da segurança contra o tráfico de droga à cibersegurança. A localização do país coloca-lhe na confluência de rotas que vêm do Brasil para o Golfo da Guiné e aproximam-se da Europa. Ter boas alianças para a segurança cooperativa é estratégico para o país, nomeadamente a segurança da nossa vasta zona marítima. Cabo Verde não é um país europeu e como tal não pode ser membro da NATO. Coisa diferente é um quadro de acordo com a NATO que pode ser desenvolvido no interesse comum.
–Quase 20 etarras foram deportados à Cabo Verde nos anos 80. Ainda algum deles continua a viver lá? Como foi a sua integração?
Nessa altura Cabo Verde recebeu oito cidadãos espanhóis ligados à ETA por razões humanitárias e por solicitação do governo espanhol. Os que continuam a viver em Cabo Verde estão bem integrados como cidadãos livres.