Cooperação na Raia

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Retomo duas componentes na minha vida que considero fundamentais: a escrita e a Raia. Por gosto e por necessidade. Porque os assuntos da fronteira são pouco importantes para quem não os vive. Porque as realidades afastadas e peculiares não afetam quem não as conhece. Mas para nós que as conhecemos, importam e muito. É um modo de vida repleto de características únicas e incomparáveis.

As ligações históricas, linguísticas, económicas e culturais entre o Norte de Portugal e a Galiza criaram uma conexão e uma posição cultural estratégica absolutamente única. No âmbito das regiões europeias, a Cooperação Transfronteiriça entre o Norte de Portugal e a Galiza é diferente das demais experiências fronteiriças. O conhecimento mútuo entre estas regiões remete para um passado comum de colaboração tornando a fronteira mental mais ténue. Tendo em conta a visão europeia, a Cooperação Transfronteiriça é vista como um instrumento que permite minimizar as disparidades existentes entre regiões, fomentando a coesão e a integração. A cultura de colaboração deve ser a aliada primordial desta Cooperação.

Ao longo dos tempos, as regiões foram moldadas por tradições comuns. Historicamente existem vestígios de solidariedade entre povos que acabavam por “cooperar” (entenda-se colaborar) entre eles na época da Gallaecia Romana. Esta colaboração continuou a existir durante toda a Romanização e, mais tardiamente, com a divisão dos reinos na Idade Média e até aos dias de hoje. As duas regiões nunca perderam o elo de ligação nem a tensão própria de territórios de fronteira; dicotomia curiosa.

A nível cultural existe um extenso património material e imaterial que aproxima  as duas regiões. A geografia, a economia e a paisagem possuem características em comum. O seu relacionamento peculiar expressa-se nas atividades agrícolas, nos saberes artesanais, na literatura e na tradição oral. Muitos dos pontos em comum têm a sua origem na época castreja, o que comprova, mais uma vez, a colaboração entre os povos do Norte de Portugal e da Galiza.

Permanecemos unidos linguisticamente e uma língua é, antes de tudo, um fator identitário de uma região e de um povo. Relativamente ao Galego e ao Português a consonância de opiniões acaba por não existir; há quem afirme que são duas línguas distintas e há quem afirme que são a mesma língua. Relativamente ao facto de serem a mesma língua, diz-se que o Galego é o Português da Galiza ou que a explicação passa por serem uma variação dentro da mesma língua1. Existem dúvidas e discrepâncias.

A fronteira luso-espanhola é a mais antiga da Europa e em meados do século XIX a questão da união entre Portugal e Espanha esteve no centro dos debates políticos e intelectuais sob a forma de duas propostas: uma unitária e outra federalista2. O Iberismo foi defendido por diversos intelectuais e políticos, como Henriques Nogueira, Latino Coelho, Sinibaldo de Mas, Teófilo Braga, Antero de Quental ou Miguel de Unamuno entre outros e, com outros contornos políticos, pelos anarquistas, no início do século XX. A “questão ibérica” não é um tópico da vida política atual; o que não impede que alguns entendidos defendam a ideia de uma união ibérica3. Poderei, futuramente, aprofundar esta filosofia noutro artigo mas o mais importante a retirar é que a História também nos comprova que o desejo de pertença e as diferenças fazem parte do percurso até à atualidade.

Evoco, nesta reflexão, a Cultura como um sistema de vivências, experiências e tradições. Sem a sua ligação à fronteira e aos seus usos e costumes, a Cooperação Transfronteiriça iria padecer mais dificuldades. É fácil perceber que não é possível dissociar a cooperação e a cultura de fronteira; a primeira precisa da segunda para se ir implementando ao longo do tempo. É necessário continuar a fomentar o pensamento cultural entre partes distintas, criando aproximações cada vez mais fortes e aproveitando as experiências comuns e os recursos endógenos de cada região. É preciso respeitar as diferenças que os longos séculos de História nos impuseram, mas também é necessário aproveitar as raízes comuns de forma a ser possível alcançar uma melhoria na vida das populações através do instrumento da Cooperação.

Entre a Galiza e o Norte de Portugal, são inegáveis as vantagens da Cooperação Transfronteiriça: a criação de projetos comuns, plataformas logísticas melhoradas, as trocas comerciais e as exportações, o estímulo na atividade turística, o acesso a financiamento europeu, etc. No caso do Norte de Portugal, é imprescindível que permaneça virado para a fronteira; apesar de pequenos contratempos que possam ocorrer, a Galiza é um aliado de peso. Em todos os sentidos.

É preciso compreender que a Cooperação não é um processo imediato; precisa de tempo e de adaptação. O processo de Cooperação institucional não se implementa em pouco tempo. Também não é possível estimular a Sociedade Civil para este tema, de um momento para o outro. No campo da cooperação regional e local tudo é gradual.

O que não é gradual são as ligações entre partes, as vivências e as memórias. Continuar a aliar a Cooperação a estes fatores é fundamental. E em qualquer lugar da nossa Raia Ibérica. De olhos postos na Europa e com a consciência das semelhanças e das diferenças entre Portugal e Espanha e da vizinhança e do companheirismo que o Norte de Portugal e a Galiza nutrem entre si, escrevo as últimas palavras. Acredito que a Cooperação Transfronteiriça ao longo do tempo irá aproximar mais ainda os povos e as culturas; respeitando as suas características e peculiaridades e obliterando as hegemonias que aniquilam o sentimento de harmonia entre populações. Até que esse objetivo seja cumprido, a Cooperação Transfronteiriça ocorre institucionalmente e economicamente, baseada no trabalho árduo. É necessário continuar a trabalhar afincadamente nos ideais e nas ações da Cooperação mas, acima de tudo, deixar que o tempo também faça a sua parte.

 

Nídia Ferreira da Cunha

 

1 Freixeiro Mato, Xosé Ramón.1998. Língua Galega: normalidade e conflito. Santiago de Compostela: Edicións Laiovento, página 11

2,3 Matos, Sérgio Campos. 1998. Historiografia e memória nacional no Portugal do século XIX. Colibri, Lisboa, páginas 278-313

 

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