Memória viva: Vilar de Nantes

Comparte el artículo:

Hoje escrevo com a finalidade de ajudar a preservar a memória. A memória dos antepassados, dos seus feitos e dos seus lugares. A memória dos que por cá andamos.

Vilar de Nantes, pertencente a Chaves,  é uma aldeia, freguesia também, como tantas outras. A única diferença é que é a minha terra natal. Foi em Vilar de Nantes que cresci, que dei os meus primeiros passos, que aprendi valores, me tornei adulta e onde ganhei a força suficiente para voar. Para seguir o meu ímpeto e o meu caminho pelo mundo e pela vida.

Poderia descrever a aldeia de uma forma romântica e lírica, no entanto deixarei que quem a quiser conhecer o faça por si. Há muita coisa a ser vista e descoberta. Mas essa tarefa pertence aos olhares curiosos e a minha função é apenas estimular a vossa vontade.

Posso afirmar que a minha escrita de hoje tem um significado especial. Há muito tempo que pretendia escrever sobre este lugar. E sei o que muitos pensam; para cada um de nós a terra que nos viu crescer é a melhor de todas. E por isso não venho disputar troféus ou características. Venho apenas explicar o que sinto.

Importa-me enaltecer a minha aldeia da forma que me é possível. Simplesmente porque sim. Pelos nossos antepassados, pelos seus esforços. Pelo nosso património historico e cultural. Pelas nossas gentes. Pelas nossas qualidades e até pelos nossos defeitos.

Quando penso no singelo, mas verdadeiro, tributo que aqui pretendo deixar à aldeia e à freguesia,  recordo-me de Miguel Torga:

A terra é a própria generosidade ao natural. Como num paraíso, basta estender a mão. Bata-se a uma porta, rica ou pobre, e sempre a mesma voz confiada nos responde:
– Entre quem é! Sem ninguém perguntar mais nada, sem ninguém vir à janela espreitar, escancara-se a intimidade duma família inteira. O que é preciso agora é merecer a magnificência da dádiva.*

Torga refere-se a Trás-Os-Montes e eu refiro-me a este pequeno pedaço de chão pertencente à terra que ele tanto, e tão bem, descreve. Vilar de Nantes é isto. E muito mais.

Fomos criados sob o olhar atento do Brunheiro, a nossa serra, que para além da beleza natural, foi em tempos, o sustento de muitos. Terra de gente franca, de garra. Terra de toda a gente; porque quem não é de Vilar sente-se como sendo. Poderá ter sido a terra de Pais e Avós de Luis Vaz de Camões. Terra de cada um de nós. Terra dos que estão fora. E a esses deixo uma palavra especial. Pela forma como enaltecem e elevam o nome das suas raízes através do seu esforço e dedicação. Como sairam e singraram das mais diversas formas. Tal como os nossos antepassados que se espalharam pelos quatro cantos do mundo. Sem nunca esquecer de onde vieram.  E aos que cá estão, idem. Terra de Artesanato. Terra dos que ficam e dos que vão. Dos que se superam. Dos que acolhem.

Se algo podemos fazer pelos sítios onde crescemos e/ou vivemos é preservar a sua memória. Muitas das vezes, ainda uma memória viva. E esta é a mais importante a ser salvaguardada. Poderia ter nascido e pertencido a outro sítio; quis o destino que assim não fosse. E acolho isso com muita seriedade. Cabe a cada um de nós preservar. Entender. E respeitar. O caminho está à nossa frente. É para lá que seguimos. Mas é nosso dever “olhar” para trás para poder caminhar em frente.

Por tudo isto e muito mais, escrevo sobre Vilar de Nantes. A minha aldeia. A minha freguesia. Os nossos bairros. A nossa gente. A nossa tradição. Um bem haja enorme a quem respira esta essencia.

E termino evocando, mais uma vez, Miguel Torga, falando do transmontano, no sentido geral, mas cuja veracidade se aplica a quem habita ou pertence a Vilar. Porque somos transmontanos em todos os sentidos.

«Onde estiver um transmontano está qualquer coisa de específico, de irredutível. E porquê? porque, mesmo transplantado, ele ressuma a seiva de onde brotou. Corre‑lhe nas veias a força que recebeu dos penhascos, hemoglobina que nunca se descora».*

Poderia escrever sobre outros assuntos em voga; mais apelativos. Mas enquanto puder, usarei a minha escrita para enaltecer o que, para mim, é importante. Escrevo sobre aquilo que a minha consciência dita. E a minha consciencia afirma que esta memória viva é tão importante como outro assunto qualquer. E que devo ajudar a que persista para a posteridade. Para que  possamos reportar às gerações vindouras. Entendo se surgirem opinões discordantes. Da minha parte apenas posso afirmar que  escreverei sempre sobre aquilo que os outros não escrevem. Ou que não é considerado moda. E que muitas vezes, é o que mais precisa de ser escrito. Mostrado. Enaltecido.  Aconselho, aos que puderem,  que façam o mesmo pelas vossas memórias vivas. Enquanto podem.

Vou concluir este texto com uma expressão típica e popular das nossas gentes: Viva Vilar! E os bairros também!

Em suma: viva a nossa memória viva!

Nídia Ferreira da Cunha

*Um Reino Maravilhoso: Trás-os-Montes, Miguel Torga

Noticias Relacionadas