Esta sexta-feira, 6 de outubro, as luzes do Centro de Artes de Águeda (CAA) desligaram-se depois de mais uma edição cumprida do festival O Gesto Orelhudo, promovido pela associação D’Orfeu. Durante a semana, foram sete os momentos em que o público «orelhudo», como a organização gosta de o tratar, pôde rir à vontade (e também parar para pensar) a partir da criatividade e poesia dos espetáculos. Um festival entregue a quem dele cuida: «por humor à música e amor» ao público.
Segundo a coordenadora executiva da D’Orfeu, Ana Filipa Flores, o festival «tem a particularidade de juntar música, teatro e comédia, ou aquilo a que chamamos de ‘musicomédia». Com essa premissa, o público é convidado a deixar-se contagiar pelo «ambiente bem orelhudo», o que significa estar com os ouvidos atentos e os sentidos apurados para desfrutar da festa.
Logo na noite de abertura, os Jesus Quisto trouxeram ao Auditório do CAA a sua Best of Playback Tour, um nome que ironiza o modo como muitos cantores se apresentam hoje em palco. Para além do espetáculo da banda da série da RTP Pôr do Sol, que deu o salto da ficção para a realidade, o público continuou a marcar uma forte presença nas noites que se seguiram, com destaque para os dois artistas catalães em cartaz: Kerol e Guillem Albà.
Juntando o beatbox ao malabarismo com microfones, Jordi Kerol apresentou-se pela primeira vez em Águeda na quarta-feira, dia 4, com um espetáculo que não deixa margem para dúvidas. Welcome to My Head propôs ao público entrar num universo próprio do artista, que se diz «à beira da esquizofrenia», com um ritmo acelerado e um conjunto de momentos que não se deixam entender. Ou não são mesmo para entender.
Na quinta-feira, Guillem Albà subiu ao palco d’O Gesto Orelhudo pela segunda vez, depois de ter apresentado Marabunta em 2015. Desta vez, quis trazer Calma! ao público presente, um espetáculo com tanto de cómico como de poético, que nos deixa a pensar nas luzes e sombras que atravessam as nossas vidas. Num tempo que passamos a correr e ao qual só tomamos o pulso quando nos batemos com situações dramáticas.
Ao EL TRAPEZIO, o artista de Barcelona explicou que o espetáculo lhe veio à mente pela própria experiência, por «leituras» que fez e pela experiência de «muitos amigos». Mas foi só durante a pandemia da covid-19, quando o espetáculo já estava a ser apresentado, que o artista percebeu a importância do seu recado. «Muitas pessoas escreviam-me pelas redes sociais a dizer: ‘isto é o que acontece no Calma!, tivemos de parar sim ou sim»”.
Não sendo a sua primeira vez em Portugal, Guillem Albà não estranhou o lado «mais sério» do público, mas admitiu que o espetáculo transporta também uma energia dupla. «Há dias em que as pessoas se riem muito, noutros tomam o espetáculo pelo lado dramático, como aconteceu aqui». Por isso, reconhece que gosta de descobrir as reações em distintas partes do mundo. «Já atuei em Buenos Aires, Montevideo ou Lima, e aí as pessoas vêm abraçar-me. É diferente. Mas isso não quer dizer que não goste de Portugal», disse Albà, que afirma querer voltar ao país vizinho «mais vezes».
Quanto às próximas edições d’O Gesto Orelhudo, a promessa é de mais programação vinda do outro lado da raia. «Apesar de não termos ainda uma agenda fechada, teremos certamente artistas espanhóis», garantiu Ana Flores, salientando que o mesmo intercâmbio acontece também noutros festivais da associação e pela presença em feiras internacionais. «[Espanha] é um alvo de visita constante para nós conhecermos outros artistas. É o caminho que fazemos de forma mais rápida e produtiva, com quem está aqui mesmo ao lado».