A escritora portuguesa Cristina Carvalho publica em espanhol seu romance biográfico sobre o dramaturgo sueco Strindberg

Carvalho publicou também em 2023 ‘Paula Rego. A luz e a sombra’

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2023 foi um bom ano para a escritora portuguesa Cristina Carvalho: o seu novo romance biográfico «Paula Rego. A luz e a sombra. Uma forma de olhar», sobre a artista homónima de renome internacional, e uma segunda tradução para espanhol, ‘Strindberg, en este mundo fui solo un invitado’, um retrato romanceado do célebre dramaturgo sueco. Cristina Carvalho, filha do poeta António Gedeão (Rómulo de Carvalho), é autora de vários romances biográficos de artistas, escritores e músicos, algumas das quais integram o Plano Nacional de Leitura para vários níveis de ensino.

‘Strindberg’ foi editado e traduzido para espanhol pela editora Sabaria, que em 2021 fez o mesmo com outra biografia romanceada de Carvalho: aquela foi sobre o dramaturgo e cineasta sueco Igmar Bergman, livro que venceu o Grande Prémio de Literatura Biográfica Miguel Torga – APE/C.M. de Coimbra em 2021. As biografias romanceadas de Paula Rego, Strindberg e Bergman juntam-se às já publicadas sobre Selma Lagerlöf – a primeira mulher a ganhar o Prémio Nobel da Literatura -, Chopin, Modigliani, António Gedeão e W.B. Yeats. Cristina Carvalho escreve sobre a vida dos artistas utilizando o método de entrar nos seus corpos e, a partir daí, com um olhar neutro, imaginar os seus medos e contradições.

Quando escreveu «Noturno, o romance de Chopin», em 2009, já estava no mundo da literatura havia 20 anos, desde 1989, com «Até já não é adeus»: naquela altura, pensou em biografias?

Realmente nunca tinha pensado escrever romances biográficos. Esse livro surgiu-me como uma miragem, uma visão repentina no final de um dia. Ao chegar a casa, estava um livro aberto em cima de uma cadeira, com uma fotografia de uma das mãos de Chopin. Olhei para aquela fotografia, de relance, e fiquei a pensar naquela mão e depois da mão, pensei no corpo todo e cheguei à cabeça dele. Daí a começar a escrever o livro foi um instante de um dia. Nem sabia o que ia escrever, concretamente. Fui escrevendo, escrevendo sempre a ouvir a sua música. Tenho muitas saudades desse encontro. Tenho muitas saudades de todas as pessoas sobre quem escrevi. Não são biografias. São romances biográficos, o que é muito diferente.

«Strindberg», depois de «Bergman», é o seu segundo romance biográfico sobre dramaturgos suecos. Porque é que gosta do teatro sueco?

Eu gosto de qualquer teatro de qualquer parte do mundo de onde nasça o bom teatro, não especialmente do teatro sueco. De quem eu gosto mesmo é das pessoas Ingmar Bergman e August Strindberg os quais, entre outras actividades, desenvolveram o seu imenso talento de dramaturgos, encenadores, etc, etc.

Ambos os dramaturgos parecem ser almas torturadas: Strindberg diz no seu livro: «Tenho saudades de mim próprio e este sentimento diário é devastador». Qual é a relação entre estas obsessões interiores e o teatro que escrevem ou dirigem?

Vou tentar responder a esta pergunta do modo mais sincero possível, ainda que possa parecer estranho: almas torturadas; Strindberg diz «Tenho saudades de mim próprio e este sentimento diário é devastador». Eu não sei se alguma vez ele disse isto! Eu pensei, imaginei e disse pela sua voz e por tudo o que conheci sobre ele. Este é um romance biográfico. Eu, Cristina Carvalho, ficciono muitas situações que imagino a partir do conhecimento que adquiri dessas personalidades. Ou de outras. Na verdade, é o que eu acho de Strindberg – e de Bergman também – são almas torturadas. Essa frase, eu própria a digo muitas vezes, não sendo eu, julgo, tão torturada quanto eles.

Fale-nos um pouco sobre Strindberg: muitas pessoas não sabem que ele era também fotógrafo e pintor.

Strindberg foi alguém, de facto, genial. Na pintura, os seus quadros estão presentes em alguns museus do mundo, muitos na colecção permanente do Museu Nacional de Estocolmo. Foi alquimista, também, actividade à qual se entregou com paixão na fase mais intensa, teve até um episódio muito grave com queimaduras nas mãos e nos braços que o levaram ao internamento hospitalar durante muito tempo. Também foi fotógrafo. As primeiras selfies assim chamadas foram de sua autoria com uma câmara construída por ele próprio.

Uma cabeça brilhante sempre a fervilhar, a inventar, a explodir de ideias, umas bem-sucedidas, outras não tanto, mas sempre experimentadas.

Deixei tudo o que sabia sobre as suas actividades no meu livro, agora traduzido e publicado em Espanha. E tudo o que eu desejo é que este livro, nascido para a língua espanhola pela fantástica tradução de Concha Lopez Jambrina – Sabaria Editorial, seja apreciado.

Já pensou em escrever sobre as grandes actrizes suecas, como Ingrid Bergman, Greta Garbo, Harriet Anderson, ou actores como Max Von Sydow?

Não. Realmente nunca pensei nisso.

Tal como «Bergman», «Strindberg» foi traduzido para espanhol por Sabaria. Qual a importância da tradução no contexto ibérico e peninsular da Raia?

Bem, não gostaria de ser mal interpretada sobre este assunto. A minha resposta é que acho que ambos os livros agora traduzidos em espanhol, podiam, na verdade, ter bastante importância num determinado contexto cultural ibérico. Foram duas pessoas de extraordinária importância nos seus domínios artísticos – o cinema e o teatro, principalmente – e será sempre importante, por exemplo para um aluno de cinema ou de teatro, conhecer mais uma visão, neste caso a minha visão, a minha perspectiva ainda que eu seja apenas mais uma gota de água no vasto oceano da literatura. Não querendo estar a fazer auto-elogios (mas por que não?) acho que são dois bons livros, na prática e sentimentalmente falando. Aprendemos uns com os outros…

Depois da do seu pai (António Gedeão/Rómulo de Carvalho), a de Paula Rego é o segundo romance biografico de artistas portugueses e a segunda, depois de Selma Lagerlöf, de uma mulher. O que foi o que cautivou em Paula Rego? A sua arte, a sua vida?

No caso de Paula Rego, livro recente de Dezembro passado, quis conhecer, aprofundar, explorar a sua infância e adolescência; o seu crescimento até à vida adulta. Quis conhecer os caminhos, as travessias, os ruídos, as batalhas, as perdas e os ganhos que fizeram com que a sua personalidade artística, tão intensa, se desse a conhecer. Essa necessidade, essa descoberta de si mesma numa aventura que decorre, intensamente, desde o dia em que nasce até ao dia em que se revela sem medos, sem torturas, sem abismos, ainda que tudo isso estivesse sempre presente. Claro! Para isso precisei de conhecer, principalmente, a rota da sua infância, esse desenho que marca toda uma vida.

Português, arte e Londres coincidem em Paula Rego. Também escreveu romances sobre Yeats: Irlanda, Suécia, Reino Unido… Por que esta tendência para os autores nórdicos?

É a região do planeta de que eu mais gosto e conheço muitas outras regiões. Sinto-me bem, reconheço-me; percebo ideias, acalma-me a respiração nesses lugares. São sítios que adoro, realmente. Caminho sempre para o Norte. Sempre. Este ano espero conhecer mais alguns nortes.

José Nazaré disse sobre o livro de Rego que «ela tem uma relação de amor e ódio com os que a rodeiam», o que se reflecte na sua pintura. Como explicaria este reflexo do mundo de Rego na sua obra?

Paula Rego é, foi, é Artista. Se não exprimisse o seu amor-ódio, sentimentos humanos, da maneira que soube e conseguiu atravessando a pintura teria sofrido muito mais do que sofreu. Não é justo para ninguém sufocar de interrogações, de desprazeres, de desamores. Não é justo. Uns conseguem sublimar e minimizar – sem nunca perder – a questão; outros não conseguem e a crueldade vem ao de cima transformada no que está à vista de todos.

Recentemente, o Governo português adquiriu «O Impostor», que era uma crítica ao salazarismo, um quadro que esteve escondido durante muitos anos no  Estoril: acha que este acontecimento explica a relação entre a vida e a arte de Paula Rego?

Boa pergunta! Mas acho que Paula Rego pintou, desenhou com toda a segurança e inequivocamente todas as figuras populares, mulheres, homens, crianças; determinou poses, incendiou a Arte portuguesa com aquelas caras, aqueles corpos que exprimiam tudo aqui e muito mais além do que os sentimentos, nesses tempos, sentimentos ocultados, amedrontados, retorcidos pelo medo intenso, pela pobreza, por todas as necessidades ocultadas e somente expressas nas intimidades. Os quadros de Paula Rego acusam, apontam, denunciam, exprimem sempre a tal crítica, exprimem a dor, exprimem o sofrimento. Sem dúvida.

 

Cristina Carvalho (Lisboa, 1949)

Escritora de novela, cuento, literatura juvenil y traductora. Publica su primera obra, ‘Até Já Não é Adeu’, en 1989. Ha escrito más de veinte libros, muchos de los cuales están incluidos en el Plan Nacional de Lectura (PNL) para diferentes niveles de enseñanza. Es hija de la escritora y traductora Natália Nunes y del profesor y poeta Rómulo de Carvalho/António Gedeão, a quien ha dedicado otra biografía. Premio SPA/RTP 2016 Mejor ficción narrativa por ‘La mirada y el alma, la novela de Modigliani’. Nominada en dos ocasiones en Suecia al Premio ALMA a propuesta de la IASL (Asociación Internacional de Escuelas y Bibliotecas). Varios de sus libros han sido traducidos al español, inglés, francés y alemán.

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