20/05/2025

IberLAND desafia conhecimento sobre direito e usos da terra no mundo ibérico dos séculos XVI ao XIX

O projeto, coordenado por um investigador chileno, inclui vários estudos em simultâneo sobre territórios que formavam os impérios coloniais português e espanhol

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Quando portugueses e espanhóis colonizaram outros territórios, como se geriam as terras? A propriedade era controlada exclusivamente por colonos ou partilhada com as comunidades locais? Que relações jurídicas tinham as pessoas com a terra e que usos faziam dela? Estas são algumas das questões levantadas pelo IberLAND, um projeto de investigação de cinco anos acolhido pela Universidade Leibniz de Hannover (Alemanha) e financiado por uma bolsa Consolidator do Conselho Europeu de Investigação, que está a explorar a história da propriedade nos territórios administrados por Portugal e Espanha – o chamado “mundo ibérico” – no período entre 1510 e 1850.

Um dos objetivos é, precisamente, desconstruir a narrativa tradicional de propriedade como importação da Europa para os diversos territórios colonizados pelos ibéricos. “Queremos entender este fenómeno, de como as pessoas se relacionam com a terra, de uma forma mais integrada”, diz Manuel Bastias Saavedra, coordenador do IberLAND, que explica a convivência de vários tipos de relações jurídicas com a terra. “Além do modelo feudal, existiam, por exemplo, relações de comunidade ou parentesco, bem como figuras jurídicas muito específicas que até assumem nomes diferentes e escritos nas línguas locais”, contextualiza. O que faz com que, na realidade, tanto o Direito português como o Direito espanhol aplicados nestes territórios e as instituições criadas para o efeito “tivessem de se integrar dentro de estruturas sociais pré-existentes”.

O projeto divide-se em seis casos de estudo específicos – sobre territórios atuais do México, Goa, Cabo Verde, Espanha (Navarra e País Vasco), Brasil e Filipinas – levados a cabo por uma equipa de seis investigadores. Para além do coordenador e professor associado da Universidade Leibniz de Hannover, incluem-se outros dois investigadores post-doc (a brasileira Camilla Macedo e o português Roger Lee de Jesus) e três doutorandos (Sarah Papa, brasileira; Alina Rodríguez, mexicana; e Edson Correia de Brito, cabo-verdiano), contando com a colaboração pontual de investigadores associados. Trabalham “de forma maioritariamente autónoma”, garante Bastias Saavedra, ainda que, para se encontrarem, participem “juntos em workshops e em algumas reuniões online”.

Em três anos de investigação, o projeto que começou em Frankfurt já fez algumas descobertas importantes. “Sobre [o estudo de] Goa, descobriram-se umas placas de cobre escritas em sânscrito, cuja tradução direta está a ser feita por um colega da Universidade Humboldt de Berlim, enquanto ele [Roger Jesus] está a trabalhar sobre uma tradução portuguesa feita pela nobreza local”. Algo que ajuda a entender os diversos intercâmbios culturais e materiais existentes nestes territórios. “O meio ambiente, por exemplo, é atravessado por estas conexões entre lugares distantes”, sublinha o coordenador, dando o exemplo da mesma vegetação encontrada “no Brasil e em Goa”, concretamente os cajueiros, “que as pessoas em Goa pensam que são autóctones e que foram, na verdade, trazidos do Brasil”

Um trabalho aprofundado que permite não só conhecer melhor os territórios anteriormente colonizados, como também fazer a ligação “necessária” entre os antigos impérios ibéricos. “Lemos a península [ibérica] como uma unidade política e cultural, bem como este mundo colonial ibérico, que tem uma historiografia que não estava a dialogar”, tratando de incluir também “todos os territórios de África e da Ásia, algo que ainda não se faz muito”. Ainda que a motivação para tal, esclarece Bastias Saavedra, não tenha sido exatamente a de fazer um retrato mais iberista da história. “A minha preocupação foi sempre mais metodológica, de perceber os desvios conceptuais e de romper com o eurocentrismo”, admitindo que “essa agenda [de conexão ibérica] pode ser importante para os investigadores de Espanha e Portugal, países que, ao longo do tempo, exerceram papéis ora complementares, ora rivais.” No final de contas, “os modelos de colonização português e espanhol são muito similares”, o que, ainda assim, não elimina a “obrigação de explorar e repensar cada um deles por comparação”, conclui.

O projeto continua em curso e com financiamento até ao próximo ano, realizando periodicamente várias atividades abertas ao público. A próxima será um workshop intitulado “Normatividades indígenas em torno da terra na Nova Espanha, séculos 16-18”, que terá lugar no Instituto de Investigações Históricas da Universidade Nacional Autónoma do México, no polo de Oaxaca, entre os dias 31 de março e 1 de abril. “Para quem quiser acompanhar o projeto”, avisa o coordenador, “pode visitar a página web e o Instagram” do IberLAND, onde são divulgados todos os eventos e novidades.

Manuel Bastias Saavedra nasceu em Santiago (Chile) em 1981. Estudou História e, posteriormente, Filosofia Política e Moral na Universidade do Chile, concluindo o doutoramento em História da América Latina na Universidade Livre de Berlim (Alemanha). Dedicado aos temas do constitucionalismo e da história do direito no Chile e noutros países do mundo, o professor e investigador trabalhou em vários centros, entre os quais a Universidade Austral do Chile (Valdivia), o Instituto Max Planck de História e Teoria do Direito (Frankfurt) e, atualmente, a Universidade Leibniz de Hannover.