Conversa com a nova cônsul do Brasil em Madrid, Vera Cintia Álvarez, descendente de espanhóis

“Eu tive a sorte de conseguir chegar ao topo da carreira diplomática, mas na verdade eu sei que eu sou uma minoria, e o que eu quero é dar a mão para que venham mais”

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Conversamos com a embaixadora (de carreira) Vera Cintia Álvarez, a nova cônsul do Brasil em Madrid. Nascida em Porto Alegre/Brasil, graduada em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), iniciou sua carreira na diplomacia brasileira em 1982. A consulesa tem ascendencia espanhola que ficou registrada no seu sobrenome “Álvarez”, um antigo imigrante da península ibérica que na época ajudava seus compatriotas em tarefas administrativas, sendo uma referência para a sua comunidade.

No Brasil, antes de assumir a chefia da Coordenação-Geral de Intercâmbio e Cooperação Esportiva do MRE (2007), foi Chefe da Divisão de Acordos Multilaterais Culturais (2000), secretária-executiva da Comissão Nacional do V Centenário do Brasil (1999), assessora do Diretor do Departamento Cultural (1998) e assessora do Chefe da Divisão das Nações Unidas do Departamento de Organismos Internacionais (1987). No exterior, serviu na Embaixada do Brasil em Pequim (1989-1992), no Consulado-Geral em Roma (1992-1995) e nas embaixadas em Dublin (1995-1998) e Tóquio (2004-2007). Depois de promovida ao cargo de embaixadora em 2014, foi indicada como chefe da Embaixada do Brasil na Guatemala de 2019 a 2022. Na sequência, foi nomeada Cônsul-Geral em Madri, onde chegou em janeiro deste ano. Também é uma artista plástica de reconhecimento internacional: já realizou exposições em países como Itália, Brasil, Reino Unido, França e Guatemala. Seu trabalho artístico está relacionado não apenas com sua vasta bagagem cultural, adquirida através do aprimoramento da técnica, inúmeras viagens e contato com diversas culturas, mas principalmente do seu protagonismo político.

Iniciamos a conversa perguntando sobre as principais perspectivas com o novo Governo brasileiro. A embaixadora nos respondeu que segundo os discursos iniciais do presidente Lula, o Brasil está em uma fase de reconstrução e cuidado para com as pessoas, que tinham sido negligenciadas em consequência da pandemia e da paralisia das políticas públicas de bem-estar social e amparo da população mais carente nos últimos quatro anos. Disse que sua prioridade é seguir essas diretrizes: “Aqui tenho duas tarefas importantes: uma é manter toda essa máquina burocrática funcionando, com o fornecimento de toda a documentação necessária para o brasileiro, como: certidões de casamento ou óbito, procurações, passaportes, atestados e etc. Por outro lado, tenho a incumbência de amparar e apoiar a comunidade brasileira na Espanha, apoiar a organização de encontros ou atividades que envolvam a comunidade brasileira, que mantenham nossos laços culturais e que promovam a inserção positiva dos nacionais brasileiros no tecido social e econômico espanhol.

Continuando sobre o perfil dos brasileiros na Espanha aduz que a população é de mais de 160 mil, predominantemente feminina. “Não temos a ideia precisa de quantos brasileiros há na Espanha. Muitos são residentes, estão regulares e empadronados, mas há também uma vasta maioria que não alcançamos, que estão lutando, ainda não se empadroaram e não tem a residência, pode-se dizer que essas pessoas estão com uma sensação de insegurança migratória, e poucos se aproximam do Consulado porque tem receio, pensam que podem ser deportados, expulsos”.

Nos esclarece que nenhum brasileiro será expulso da Espanha, nem pelo Governo espanhol e muito menos pelo Consulado: “Estamos aqui para apoiar a comunidade brasileira. Essa hipótese não existe, a menos que o brasileiro cometa um delito grave, não será deportado”. No que diz respeito à Espanha, afirma que é um país que conta com uma política de imigração favorável, que até certo ponto possui “brechas” para haja a imigração, “que é um direito humano, e penso que o Governo espanhol assim o considera”. Sobre seus objetivos para o novo mandato nos comentou que está mapeando a nossa comunidade “já participei e continuo participando das atividades dos grupos, meu objeto é dar apoio as atividades que os brasileiros fazem aqui, também claro propor coisas novas e diferentes, e que seriam muito boas para integrar a nossa comunidade”.

Dissertando sobre a integração dos brasileiros na sociedade espanhola e a importância de conservar a cultura brasileira viva entre as crianças e os adultos: “Isso já é feito com o brilho e maestria pelos grupos brasileiros, que são extraordinários. Eles mantem as festas sazonais, o carnaval para as crianças, as festas juninas, o dia da mulher, o dia das crianças, o dia dos pais, etc.”. Afirmou que o Consulado pretende fazer-se mais presente junto à comunidade brasileira através, dos meios de interação social, que são o instragam, facebook e o próprio site do Consulado”, anunciando/oferecendo sempre os nossos serviços, que são serviços essenciais para os brasileiros, e também apoiando, fomentando, estimulando as atividades de congregação da comunidade brasileiras”.

Seguiu comentando sobre suas intenções à frente do Consulado, pretende fazer algumas coisas interessantes, mas frisa que dependem de apoio local e dos próprios brasileiros. “Estou encaminhando junto aos nossos atletas notórios, uma escolinha Brasil de futebol, capoeira e tambor, porque esses são os três meios mais fáceis de conquistar o coração de uma criança e também de dar a ela uma orientação ética. Através do futebol, da capoeira ou do tambor é que você adquire disciplina de estar reunido, de respeitar o seu colega e as regras do jogo, com isso você vai criando cidadania, e sua repetição acabo por criar adultos melhores no futuro, espera-se”.

Também está em seus planos fazer um concurso de fotografia, “seria a comunidade brasileira por si mesma, quem gosta de fotografia fotografava a comunidade brasileira e vamos fazer um concurso até o final do ano, os próprios da comunidade vão votar as melhores fotos e conferir um prêmio de estímulo”. Como é tradicional em todas as embaixadas em celebração ao dia da independência, 7 de setembro, “lançaremos um pouquinho antes, um concurso de redação ou de desenho para as crianças. É um momento de acolhimento do Consulado, onde vem os pais, as crianças para receber os prêmios, todo mundo interage e se conhece, é um momento legal também e nós estamos celebrando a nossa independência, o dia que a gente celebra o Brasil”.

Nos contou um pouco sobre o apoio dado aos trabalhos feitos por brasileiros na Espanha, onde destacou “um sistema interessantíssimo de empréstimo de livros brasileiros famílias brasileiras na Europa, acompanhados de um guia aos pais de como ler, as palavras você deve ensinar para o seu filho, segundo a faixa etária. É iniciativa de uma pediatra brasileira, e também autora de livros infantis, Dra. Luiza Menezes”. As mudanças vêm acompanhadas de uma pequena reforma no Consulado, “reativamos um espaço as crianças, colocamos brinquedos e material para desenhar e pintar. Para as mães, uma cadeira de amamentação, uma coisa bastante avançada que já vem na esteira do Governo Lula, de cuidado maior em relação à maternidade, as mães, as mulheres. Uma coisa sutil, mas que funciona e inspira são as plantas, colocamos algumas na recepção e também deixamos uma televisão grande que já existia sintonizada em Mpb, música brasileira”.

Como providência para atender melhor os brasileiros, o Consulado abriu o edital de licitação para contratar um psicóloga/o para prestar assistência psicológica e social aos integrantes da comunidade brasileira, e nos adiantou que em breve será aberto outro edital para assistência jurídica “ de preferência brasileiros, sem qualquer discriminação contra os espanhóis”. “Estavam havendo muitas queixas em relação ao fato que as pessoas não conseguirem, mais falar com um ser humano, uma voz humana, eu cheguei com esse mandato, uma instrução de buscar uma solução para assistir as pessoas que não tem acesso à tecnologia, como entrar num computador”. Com vistas a melhorar o atendimento foi estabelecida uma linha com todos os ramais, se a pessoa tem um problema de passaporte, já diz o ramal de passaporte e tem alguém que lhe responda de viva voz, também existem dois celulares com whatsapp. As pessoas comentam suas necessidades, ex. fazer prova de vida, procuração etc, será respondido por essas vias, terá inclusive alguém para acompanhar passo a passo àqueles que tem dificuldade de lidar com o computador. “É um grande tento, um bom passo que estamos dando para retomar a face humana do Consulado”.

Sobre as dificuldades e desafios enfrentados pelas mulheres ao optar pela carreira diplomática, a embaixadora nos recorda que as mulheres no passado foram proibidas de votar, de exercer outros direitos, “e também foram proibidas de serem diplomatas”. Muita coragem tiveram as mulheres que entraram na justiça para fazer valer seu direito de poder seguir a profissão que sonharam seguir. “De um número reduzido de homens e mulheres que chegam ao topo da carreira, o número de mulheres é mais reduzido ainda; se temos por exemplo, um número de 300 embaixadores, somente 30 serão mulheres, e a maioria será indicada para servir na África ou então nos consulados da Rede Consular brasileira, porque antigamente o Consulado tinha menos prestigio”.

Nos conta que quando entrou na diplomacia (1982) ainda estava em vigor o instituto da agregação, que explicando de forma simplificada significava que em caso de casais de diplomatas, um deles não poderia assumir suas funções e teria que ficar em casa, quando seu cônjuge fosse indicado para servir em Embaixada ou Consulado no exterior. “Como existiam muitas pessoas nessa situação, nós nos juntamos e fizemos um grupo imenso, fizemos uma campanha junto aos congressistas e conseguimos colocar uma frase, nessa reforma, que estava sendo feita naquela época, em 1984: casais de diplomatas serão preferencialmente, alocados na mesma cidade, podendo trabalhar no mesmo posto até, juntos e os dois perceberam o mesmo salário”.

Aduz que as dificuldades para as mulheres sempre foram muito grandes no Itamaraty, “nós éramos encaradas como homens, eu fui por muito tempo o secretário Vera Cíntia, o conselheiro Vera Cíntia, significando que se você foi promovida naquele mundo masculino, apenas ascendeu e vai ocupar a vaga de um homem”. Depois, com o tempo, esta forma esdrúxula de se referir às colegas mulheres diplomatas foi corrigida, e hoje temos os títulos com o gênero correto de sua possuidora. Com otimismo pondera que pouco a pouco a organização do mundo mudou, “com a modernização, a abertura, o progressismo chegando, o feminismo triunfando em alguns aspectos, conseguimos tantos espaços e lugares, e vamos continuar até chegar à paridade total, compartilhando, homens e mulheres, as responsabilidades e alegrias da carreira diplomática”.

Diz a embaixadora de carreira: “A luta continua e nós tivemos que criar uma associação para poder fazer os nossas justas reivindicações, a Associação de Diplomatas Mulheres Brasileiras, AMDB. Estamos muito bem, cheias de planos, animadas com as perspectivas de sermos ouvidas e atendidas. Por fim comenta que “teremos a primeira mulher embaixadora em Washington, mas essa vitória foi resultado de uma campanha, não veio de mão-beijada”. “Eu tive a sorte de conseguir chegar ao topo da carreira diplomática, mas na verdade eu sei que eu sou uma minoria, e o que eu quero é dar a mão para que venham mais. Penso que o equilibrado é considerar que somos 50% da humanidade e que nós somos colaboradoras, junto com os homens que são nossos colaboradores também, e que temos que trabalhar em conjunto, 50% a 50%, para tocar esse planeta para frente. Muito obrigada”.

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