Daniel Bastos: «As comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo são embaixadas genuínas da pátria de Camões»

Historiador e autor lançou novo livro sobre as comunidades lusófonas no mundo e a forma como a emigração tem mudado ao longo dos séculos

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O historiador Daniel Bastos é o autor da obra Comunidades, Emigração e Lusofonia. O escritor é consultor do Museu das Migrações e das Comunidades, sediado em Fafe. Um dos seus grandes objetivos é criar uma plataforma entre diversos núcleos museológicos, arquivos e coleções que preservem não só a memória mas também o futuro dos portugueses que vivem e trabalham fora do seu país.

Ao longo de centena e meia de textos, o escritor destaca as sucessivas gerações de portugueses que, por várias razões, foram obrigados a sair do país. Este livro de crónicas homenageia e aborda o papel que as comunidades portuguesas têm nos locais em que estão inseridas. Empreendedores e resilientes que quais argonautas continuam a desbravar mares desconhecidos para alcançar um futuro melhor.

O escritor, que também é o responsável pelo título Dias de Liberdade em Portugal, conversou com EL TRAPEZIO e falou-nos sobre o seu mais recente trabalho e a evolução da emigração lusófona ao longo dos anos. Para Daniel Bastos, existem vários portugais que compõem Portugal. Esta é uma casa de migrações que é reforçada graças a lusofonia e as comunidades que ajudam a construir o espaço ibero-americano.

Como surgiu este livro?

O livro surgiu da ligação estreita, que nos últimos anos tenho estabelecido junto das várias comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, e onde tenho apresentado obras de minha autoria no campo da História e da Emigração Portuguesa. Assim como, da publicação regular de crónicas dentro destas temáticas em vários meios de comunicação dirigidos para as comunidades portugueses, como por exemplo, no Brasil, Canadá, Estados Unidos da América, França, Inglaterra, Luxemburgo, Suíça, Venezuela e Macau.

Qual é o peso das comunidades de emigrantes (e não só) para o crescimento e o desenvolvimento do Portugal democrático?

Atualmente, Portugal é um país de emigrantes e imigrantes. Desde longa data que as remessas dos emigrantes têm uma forte influência na economia portuguesa, sendo que os nossos compatriotas que vivem e trabalham no estrangeiro continuam a desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento de Portugal. Assumindo-se como fautores do progresso e promoção de qualidade de vida nos seus territórios de origem e destino, os emigrantes lusos funcionam igualmente como elos fundamentais na internacionalização e valorização das empresas e produtos nacionais. No entanto nos últimos anos, a chegada de imigrantes a Portugal tem sido importante para a dinâmica de vários setores, constituindo uma oportunidade singular de desenvolvimento, de inversão do paradigma da balança migratória e do processo acentuado de envelhecimento da população nacional.

O que levou e o que leva os portugueses a emigrarem? Somos um país de emigração?

As dificuldades estruturais da economia portuguesa, expostas nos ciclos de crise, estão na base do impulso que ciclicamente levam milhares de portugueses a procurarem melhores condições de vida no estrangeiro. Portugal é hoje um país de migrações. Um país que sem imigrantes seria mais vazio, mais pobre e mais velho, mas que não pode deixar de seguir uma estratégia de retenção /regresso dos filhos que vivem fora. O regresso de emigrantes, como por exemplo, de jovens emigrantes qualificados, alavanca inúmeras potencialidades ao nível do desenvolvimento local, regional e nacional.

É possível tornar a lusofonia e a CPLP uma comunidade forte? O que é necessário fazer para reforçar a lusofonia?

Num mundo profundamente globalizado e interligado, onde surgem constantes desafios e oportunidades, a CPLP assume um papel relevante na dimensão e concertação que confere aos países que a compõem, como é o caso de Portugal. A CPLP será uma comunidade tão mais forte quanto mais estreitar os laços socioeconómicos e conseguir adotar um modelo que possa permitir a livre circulação de pessoas. O reforço da Lusofonia terá que passar sempre pelo guarnecimento dos projetos de cooperação e de promoção da língua portuguesa.

Como é a emigração portuguesa nos países hispânicos?

No caso de Espanha, o país vizinho tem sido um dos principais destinos da emigração portuguesa nas últimas décadas, ainda que nos anos mais recentes, as restrições de mobilidade devido à pandemia por covid-19 tenham contribuído para um decréscimo. De 149 mil, em 2010, o número de portugueses emigrados em Espanha, passou para cerca de 94 mil, em 2019, continuando a serem uma mais-valia para o progresso da sociedade espanhola.

Portugal é um país atrativo para os emigrantes latino-americanos?

O fluxo migratório do Brasil para Portugal nos últimos anos será talvez o exemplo mais paradigmático dessa atração, em que a segurança, o clima, afinidade cultural e linguística têm um peso decisivo. Neste momento a comunidade brasileira em terras lusas é composta por mais de 200 mil pessoas, números que a elevam a maior comunidade imigrante em Portugal. Fruto dessa dinâmica migratória, por exemplo, a cidade de Braga, no norte de Portugal, em contraciclo com a tendência nacional, tem vindo a crescer em termos populacionais. Atualmente com mais de 190 mil habitantes, Braga assistiu na última década a um crescimento de 137% da população brasileira, passando a comunidade brasileira local de 2596 para 6168 pessoas.

A proximidade geográfica e linguística são importantes na altura de escolher o país para emigrar?

No conjunto dos fatores que são importantes na altura de escolher o país para onde emigrar, a proximidade geográfica, linguística, cultural, assim como a presença de familiares e amigos e, claro, a oferta de emprego, estão no topo da lista.

As comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo mudaram bastante ao longo das décadas? Como as podemos descrever?

As comunidades portuguesas vivem por estes dias importantes desafios, nomeadamente ao nível do movimento associativo, com o risco de fecho definitivo de diversas associações, que têm estado impedidas nos últimos tempos, devido à pandemia, de realizarem iniciativas e que são em muitos casos indispensáveis para a obtenção de receitas que permitem custear o normal funcionamento das associações. As comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo são embaixadas genuínas da Pátria de Camões.

O atual momento (primeiro a pandemia, agora a guerra) vai/está já a influenciar o fluxo migratório em Portugal?

Já está a influenciar claramente. No caso, por exemplo, da Guerra na Ucrânia, e na linha do espírito de solidariedade europeia, Portugal já recebeu mais de quinze mil cidadãos ucranianos fugidos do pesadelo bélico. O espirito de altruísmo português tem sido notável, mas também é notório o interesse por parte de vários setores com défices de mão-de-obra qualificada e não qualificada, em querer integrar profissionalmente os ucranianos que agora chegam ao nosso país.

Podemos esperar novos livros? O que espera para o futuro?

A minha intenção é continuar a aprofundar a ligação às comunidades portuguesas, através da realização de novos trabalhos no campo da História e Emigração Portuguesa. Nesse sentido, tenho previsto a médio prazo a realização de um novo livro assente nas memórias fotográficas do resistente à ditadura, Fernando Mariano Cardeira. A ideia passa por abordarmos, em conjunto, temáticas como o quotidiano de pobreza e miséria durante o Estado Novo, a efervescência do movimento estudantil português, o embarque de tropas para o Ultramar, e os caminhos da deserção, emigração e exílio.

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