Qual é coisa, qual é ela, que pode ser achatada, alongada, arredondada, encurvada, vermelha, amarela, verde, e pode ou não picar? Facilmente saberá do que se trata se as imagens deste artigo não lhe passaram despercebidas. O pimento é, de facto, um ingrediente marcante na cozinha e na cultura ibéricas. Existe para todos os gostos e há até quem não o aprecie. Mas, afinal, o que tem de especial este fruto? E como chegou até nós?
Com estas questões em mente, duas investigadoras portuguesas e uma espanhola uniram esforços para estudar os pimentos da Península Ibérica. Cristina Silvar, do Grupo de Investigação em Biologia Evolutiva da Universidade da Corunha, contactou as colegas Filomena Rocha e Ana Maria Barata, do Banco Português de Germoplasma Vegetal, para caracterizar estes frutos nos dois países e compará-los. O resultado foi o artigo que publicaram na revista científica Plants e que dá conta de um trabalho historiográfico a partir da análise genética.
“Já tínhamos caracterizado parte da nossa coleção”, afirma Ana Maria Barata, a coordenadora do banco português sediado em Braga, explicando que o trabalho mais complexo foi “caracterizar o resto”. No entanto, por não haver cruzamento “deste tipo de materiais” entre os bancos ibéricos, a investigação nos dois países teve de avançar de forma independente. “Nós estudámos o nosso material e a Cristina usou material que faz parte da coleção nacional espanhola. Até existem outras espécies que estão conservadas tanto em Portugal como em Espanha, mas não era o caso dos pimentos”, acrescenta.
Através de uma ferramenta recente, a Tomato Analyzer, as cientistas conseguiram fazer uma caracterização “mais sistemática” destes frutos. A partir daí confirmaram a origem dos pimentos na América do Sul, “mais concretamente no México e na região andina”, e verificaram ainda que a diversidade genética está mais reduzida. Ou seja, os pimentos ibéricos estão a ficar cada vez mais semelhantes, embora apresentem grandes diferenças em relação aos originais, como descreve Filomena Rocha: “São mais pesados, mais largos, com contornos mais arredondados, mais carnudos e maiores, se considerarmos o perímetro”.
Quanto à descoberta da origem do pimento, as certezas são poucas. “O que se diz, historicamente, é que nós levámos animais [para a América] e trouxemos sementes”, resume Ana Maria Barata. Daí a conclusão de que, provavelmente, a introdução deste fruto na Europa tenha acontecido durante as viagens marítimas portuguesas e espanholas nos Descobrimentos. Uma troca que terá tido uma vertente bastante prática: “Os marinheiros tinham a necessidade de levar para as ‘novas’ terras aquilo que os fazia recordar o seu país”, assinala Rocha. Por isso é que se levou “muita coisa daqui da Península, mas também se trouxeram outras coisas, como os pimentos, que na altura eram uma surpresa”.
A investigação sugere também que o “Sul de Espanha” terá sido a porta de entrada destes frutos no continente europeu, migrando depois para Portugal e para a bacia do Mediterrâneo. Após a implantação em território ibérico, sabe-se como aconteceu a sua domesticação através de outros estudos. “Existe o projeto ReSEED, que tem recuperado informação histórica sobre as sementes”, refere a coordenadora do banco de germoplasma, destacando a importância de documentos antigos como os “livros de razão”. Era nestes que, “sobretudo nos séculos XVII e XVIII, se registava a compra de produtos e se dava conta das variedades de alimentos que eram consumidos em diferentes regiões, incluindo os pimentos”.
Através deste cruzamento científico, argumenta Ana Maria Barata, é possível “fundamentar algumas ideias que temos atualmente”. No caso dos pimentos, afirma, “os espanhóis têm uma produção, transformação e consumo muito mais efetivos do que nós portugueses”. De uma forma geral, “eles também são muito consumidores dos seus próprios produtos”, acrescenta, o que ajudou à “dinâmica de melhoramento” das espécies. Que trouxe às mesas ibéricas outras variedades de pimentos: “os laranjas ou amarelos, por exemplo”.
Entretanto, os dados deste trabalho foram já divulgados na página do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), que tutela o banco de germoplasma português. Concretizando-se assim mais uma colaboração científica “com bons resultados” entre Portugal e Espanha. “Trabalhamos muito com os nossos colegas espanhóis, já desde os anos ’80 e ’90, em projetos que desenvolvem o estudo de várias espécies”, garante a coordenadora do banco luso.
Para as investigadoras, o estudo dos pimentos é agora uma etapa fechada, mas não deixam de sublinhar o gozo que lhes deu investigar estes frutos. “Têm várias formas, cores… São muito bonitos”, diz Filomena Rocha. Pode até haver quem não goste deles, mas, para Ana Maria Barata, a qualidade destes frutos na Península Ibérica não deixa margem para dúvidas: “É do melhor que há”.