O 2º dia da visita oficial de Lula da Silva a Portugal começou em Matosinhos, onde se encontrou com um grupo de mais de duzentos empresários portugueses e brasileiros. As comitivas luso-brasileiras acreditam que as relações «tem espaço para crescer». O primeiro-ministro António Costa no seu discurso saudou a volta do Brasil ao cenário internacional e garantiu que Portugal está pronto para ser o «ponta-de-lança» para conclusão do acordo UE/Mercosul. Lula da Silva atribui, tal como já tinha feito com Marcelo Rebelo de Sousa, ao chefe do governo português a Grã-Cruz da Ordem de Rio Branco.
Chico Buarque visitou a Fundação Saramago
Antes da cerimónia oficial, Chico Buarque esteve na Fundação José Saramago para visitar tanto a sua amiga Pilar del Río como para celebrar a memória do único Nobel da Literatura de Língua Portuguesa. Para Pilar, a entrega deste prémio «proporciona um dos momentos mais belos e emocionantes para portugueses, brasileiros e todos aqueles que amam a cultura. Sucedeu a uma noite escura vencida pela liberdade e a democracia, que hoje tem cheiro a alecrim». A cultura e a literatura são valores maiores de uma vida em democracia.
Em Queluz, o sol e o calor humano marcaram mais um ato que marca a agenda desta visita. No lado de fora do palácio um grupo de brasileiros saudava os que chegavam para uma cerimónia com quatro anos de atraso. Na sala do trono do Palácio de Queluz, cheia de espelhos e foi neste palácio que nasceu e morreu o Imperador D. Pedro I (IV de Portugal), Chico Buarque de Holanda recebeu o Prémio Camões. Para Pedro Adão e Silva, o ministro da cultura de Portugal, diz que este prémio reconhece um trabalho que «atravessou fronteiras».
Este prémio foi entregue quatro anos após o anúncio oficial, isto aconteceu após a interrupção provocada pela pandemia de Covid-19 e a recusa de Bolsonaro em assinar o diploma que tornava esta distinção uma realidade. Já com Lula ao lado de Marcelo, Brasil e Portugal entregaram o prémio mais tradicional da literatura em língua portuguesa ao músico e escritor que representa o regresso aos valores democráticos não só ao Brasil, mas a toda a lusofonia. Chico, já que é filho de um casal que ajudou a fundar o PT e escreveu a letra de Tanto Mar inspirado na Revolução dos Cravos.
Uma cerimónia repleta de simbolismo
Esta cerimónia aconteceu um dia antes do 25 de Abril, data lembrada nos discursos e no momento musical. Que teve bastante simbolismo. O pianista Mário Laginha interpretou ao piano este tema perante um coro que pedia que Buarque cantasse, mas tal não aconteceu. Chico é autor dos livros Estorvo e Leite Derramado. Apenas alguns exemplos de uma vasta obra que é considerada uma declaração de amor a língua portuguesa.
A entrada tanto de Chico como de ambos os presidentes foi aplaudida de pé pois todos os presentes acreditam que este é um prémio mais que merecido e que a não entrega no tempo certo é apenas uma marca da pouca importância dada a cultura nos últimos anos. Quando assumiu o púlpito, Marcelo pediu a desculpa por esta demora na entrega e Lula da Silva garantia que em Queluz foi «corrigido um absurdo». Lula considera «este prémio é a resposta do talento conta a censura». Chico foi um dos cantores de intervenção (como dizemos em Portugal) que nas suas músicas falou sobre a ditadura militar que o Brasil sofreu. Chico, de 78 anos, é um carioca filho da literatura e da música.
Ambos os políticos defenderam que a língua portuguesa é a nossa casa comum. Os dois chefes de estado assinaram este diploma perante o olhar de vários membros do governo e da diplomacia dos dois países e de dezenas de convidados, incluindo antigos vencedores deste prémio. Chico Buarque, agraciado em 2019, é o vencedor da 31ª edição do Prémio Camões. O valor monetário é de 100 mil euros e o escritor e músico é o 13º cidadão brasileiro a ser distinguido com o galardão máximo da língua portuguesa.
Um prémio criado para homenagear os expoentes máximos da língua portuguesa
Este prémio foi criado em 1988 e tem como objetivo distinguir os autores que tenham uma obra que contribuam para a «projeção e reconhecimento do património literário e cultural da língua comum». Nos termos do Regulamento, Portugal e o Brasil organizam de forma alternada as reuniões e as cerimónias de entrega deste galardão. Depois de Chico Buarque, foram distinguidos o professor e ensaísta português Vítor Manuel Aguiar e Silva, a escritora moçambicana Paulina Chiziane e o escritor brasileiro Silviano Santiago.
O júri, composto por membros de 4 países (Portugal, Brasil, Moçambique e Angola) escolheu o músico e autor brasileiro por unanimidade. O presidente do júri do Prémio Camões, o académico Manuel Frias Martins, espera que esta decisão «sirva para reforçar a união de todas as nações que se entendem em língua portuguesa».
O escritor, visivelmente emocionado, dedicou este prémio a todos os «humilhados e os ofendidos» e não esquece que a ameaça fascista (que paira sobre o Brasil e o mundo) ainda persiste. Também lembrou os pais e as ligações que também tem com Portugal, já que é descendente de judeus sefarditas.