O Theatro Circo, em Braga, encheu na noite da passada quarta-feira (23 de fevereiro) para celebrar a poesia galaico-portuguesa, numa data em que se assinala simultaneamente o falecimento de José “Zeca” Afonso e o nascimento de Rosalía de Castro. O evento é um dos pontos altos da programação da oitava edição do festival Convergências, que começou a 7 de fevereiro com a apresentação de um livro e termina no próximo dia 27 com o mesmo concerto-tributo, desta vez em Santiago de Compostela.
O espetáculo abriu com a atuação do grupo galego Voces do Arrieiro, ao qual se seguiram João Afonso, músico e sobrinho do homenageado português, e a cantora galega Uxía. A fechar esteve o grupo da “casa” Canto d’Aqui, que foi também responsável pela organização do evento, em parceria com o Centro de Estudos Galegos da Universidade do Minho e com o apoio do Município de Braga e da Xunta de Galicia.
Um “abraço” dos povos galego e português
Movido pela ideia de celebrar a união entre a Galiza e Portugal, o espetáculo (e o festival em que se insere) destaca-se pela evocação da música e da poesia dos dois lados do Minho. Uma ideia desenvolvida por Jaime Torres, um dos músicos do grupo Canto d’Aqui, que, para o EL TRAPEZIO, afirma que o evento só tem sentido pelas “mãos que se unem generosamente”. Mas salienta que, precisamente por vontade das pessoas e das instituições, o certame hoje “é muito mais do que isso”. “É um autêntico festival cultural”, composto também por exposições, apresentações de livros, projeções de filmes, exibições de dança e teatro, bem como outras expressões artísticas.
No entanto, as convergências não se ficam por aí, como constata João Afonso. “Materializam-se também na minha amizade com a Uxía que, só por si, simboliza o abraço entre dois povos por vezes tão afastados”. O que, na opinião do músico, tem que ver com decisões políticas em contraciclo com o “poder” da cultura. “Parece que o poder político não entende que a cultura nos aproxima tanto”, sublinha. “Temos muito mais em comum”, acrescenta a cantora galega.
Homenagem a duas “figuras universais”
Sobre a importância de prestar tributo a Zeca Afonso e Rosalía de Castro, os três participantes são unânimes a destacar a mensagem “ainda viva” dos autores. Uma intemporalidade que Uxía considera uma “fonte inesgotável de inspiração” para os artistas e “muito importante” para as novas gerações.
Além disso, assinalam também as coincidências entre os poetas, não só pela data que os une. Entre outros aspetos, lembram o seu “compromisso com a beleza” e a ligação “às raízes e tradições populares”. Uxía destaca ainda a “liberdade” de ambos, em especial da poetisa galega por ser mulher na época em que viveu. “A Rosalía, que viveu no século XIX, teve de ser uma mulher valente e livre com os pensamentos que tinha”, afirma.
Apesar de tudo, lamentam que os autores apenas sejam conhecidos por alguns dos seus poemas, como Pra a Habana! ou Grândola Vila Morena. “É um clichê”, diz a cantora galega, “porque na verdade são figuras poliédricas, com muitas caras”, destacando a “preocupação de ambos pelo social e pelas identidades”. E João Afonso concorda: “Há um conhecimento muito pela rama, eles são muito mais do que a liberdade que representam”.
“São duas figuras universais”, acrescenta a autora de Foliada de Marzo, “que as línguas galega e portuguesa abrem para o mundo”. “No fundo, uma comunhão por um mesmo sonho”, conclui.