As conquistas das mulheres de Abril

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É verdade que ainda estamos apenas em Março mas as conquistas de Abril são universais. Vão para além dos países ou dos meses do ano. Se não acreditam, vão ler a letra da canção «Abril em Portugal». Mas vamos deixar a música de lado e olhemos para esta data que não deve ficar focada em apenas um dia (8 de Março) e às habituais marchas que costumam ser feitas em várias cidades do mundo. Para participar não é necessário ser apenas feminista mas sim amante da vida e das liberdades. Estas começaram a ser escritas com o vermelho dos cravos que marcaram 1974 e não só. Deixemos o azul da censura finalmente de lado.

A liberdade de dizer «não» é algo que ainda não temos garantido. Desde o movimento #MeToo muita coisa mudou. Na Netflix está uma série documental sobre a história da violação da Manada, caso que chocou não só Espanha mas todo o mundo. Infelizmente todas temos histórias para contar, sejam elas mais ou menos cruas. Andar pelo Martim Moniz e ser olhada de lado pelo simples fato de ser mulher ou estar nos transportes públicos e ser incomodada são relatos cada vez mais comuns. É difícil ser mulher em Portugal, já o disse Luana Piovani. Nem falemos dos tristes casos de violência doméstica. Mas isso é um mal mundial que faz manchetes tanto no Brasil como no México.

Para assinalar mais um 8 de Março, a autarquia de Sesimbra realizou uma mesa redonda com algumas figuras femininas que viram a sua vida mudar com o 25 de Abril de 1974. Uma destas figuras foi uma antiga Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal. Com estas duas datas separadas por pouco mais de um mês, nada melhor do que dedicar este artigo de opinião às conquistas que as mulheres de Abril conseguiram nos últimos cinquenta anos. A viagem tem sido impressionante mas o caminho ainda é bem extenso para que possamos dizer que homens e mulheres estão no mesmo patamar. Trabalhamos tanto ou mais que os homens mas continuamos a receber menos, sejamos ou não famosos. Um exemplo claro está no filme «Barbie», um dos que teve maior sucesso este ano mas a verdade é que é o Ken que está nomeada para os Óscares e não a protagonista desta película. Voltando atrás no tempo, para o período revolucionário, um artigo do El País afirmou que as portuguesas com mais de 25 anos pareciam umas «velhas». Muito se deve a forma de vestir e muitos afirmam que a cor entrou no vestuário das portuguesas lá nos anos 90 com a entrada da Zara no país (uma das primeiras memórias natalícias que tenho da capital portuguesa envolve esta marca de roupa espanhola). Se antes éramos «velhas» aos 25, agora temos direito ao crédito jovem para a habitação (é um apoio que os bancos dão aos sortudos que conseguem comprar casa) é dado até aos 40 anos, se não me engano.

Uma das iniciativas que a comissão responsável pelas celebrações dos 50 anos, presidida pela historiadora e professora universitária Maria Inácia Rezola Clemente, mostra o que não se podia fazer antes e agora podemos. Basta perguntar às nossas mães e avós como as coisas mudaram.

Nascemos com tanto que agora estas conquistas ate parecem banais. Se que para nós caminharmos algumas tiveram que começar por correr. Sabiam que antes não se podia beber Coca-Cola (porque achavam que era feita com cocaína) e para se ter um isqueiro era necessário um pedido especial? Parece que estamos a falar da Arábia Saudita mas isto era Portugal há algumas décadas. Um país para o qual a maioria de nós não pretende voltar. Quer dizer, se for apoiante do ADN pode ter outras vontades. Como a de barrar a entrada de Lula da Silva no país a 25 de Abril (algo que André Ventura expressou durante a campanha, que também contou com a participação de deputados envangelicos vindos do outro lado do Atlântico).

Se apenas nos focarmos nas mulheres, muitos são os exemplos que podíamos dar, desde o não poder viajar para fora do país sem uma autorização masculina até a possibilidade de prosseguir estudos superiores. O mesmo já podia ser feito no Estado Novo mas nada como o que temos atualmente, onde em cursos ligados às letras e humanidades existe uma superioridade de alunas impressionante. Por outro lado, os cursos de tecnologia e de informática continuam a ser dominados pelos homens. Cada vez temos um nível elevado de estudos. O número de mulheres a concluir o Ensino Secundário é mesmo superior ao dos homens. Mesmo assim, se sairmos do país às portuguesas continuam a ser vistas como mulheres com bigode, que falam muito alto e que trabalham nas limpezas (esta é uma visão que têm muito em França).

Em todas as democracias a educação é o melhor elevador social que existe. Um livro e um lápis são as melhores armas que existem para combater a opressão. Seja esta de qualquer tipo. O Papa lamentou que as mulheres continuem a ser vítimas e defende educação das raparigas como caminho

Ainda hoje em dia a opressão pode ser sentida pelas mulheres em aspetos que achamos já banais, como é o caso do direito ao aborto. Em Portugal, a jornalista Maria Antónia Palla (mãe de António Costa) dou uma das vozes que mais se ouviu, há várias décadas, em defesa de um direito ao aborto que foi refendado e a verdade é que desde então a mortalidade tanto nas mães como nós recém nascidos está a um nível baixíssimo. Em Espanha, Yolanda Diaz quer consagrar este direito na Constituição enquanto que cá um dos membros da coligação de direita (veremos em que lugar está vai ficar) quer voltar a referendar algo que já foi feito. Esta é mais uma das conquistas que a democracia, tanto a conseguida pelas armas como através a da transição que aconteceu em Espanha, trouxe. Nos últimos 50 anos existem inúmeros exemplos de mulheres pioneiras em várias atividades mas a verdade é que ainda há muito a ser feito. Olhando para a política e a televisão, o papel das mulheres ainda é bem curto. É verdade que existem várias apresentadoras ou pivôs mas o mesmo não podemos dizer das comentadoras políticas. A grande maioria dos comentadores que vemos nas TVs são homens e de direita. Um sinal que ainda vivemos numa sociedade machista? Talvez sim, talvez não. O que acham?

Desde que a democracia voltou a Portugal apenas tivemos uma primeira-ministra, a Maria de Lurdes Pintassilgo, e a verdade é que por mais mulheres que tenhamos a frente de partidos políticos, como é o caso da Mariana Mortágua no Bloco de Esquerda, ainda estamos longe de voltar a ter uma mulher como PM ou mesmo PR. Por mais que Marcelo Rebelo de Sousa, que está no seu último mandato, afirme que este é o momento certo para a mudança. Mostrando que as mulheres podem tudo, basta quererem  No caso de Espanha, será que alguma vez veremos na Moncloa (um dia Leonor será Rainha ma Zarzuela) nomes como Yolanda Diaz ou Isabel Diaz Ayuso? Sendo em Portugal ou em Espanha, jovens ou menos jovens, a verdade é que todas (e todos) acabamos de alfuma forma por sermos filhos de Abril (por mais que ainda estejamos em Março).

Andreia Rodrigues

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