As viúvas de Pessoa e os filhos de Saramago

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Um novo Governo português tomou posse e a nova equipa ministerial já está em campo a trabalhar. Demorou dois meses para entrar em funções e já se fala na possibilidade de António Costa poder mudar-se para Bruxelas. Mas esse é um problema para 2024. Foquemo-nos na atualidade! Fernando Medina, o antigo presidente de câmara que agora é o dono das finanças lusas, foi o ator secundário de uma curiosa conversa onde o presidente do Eurogrupo disse que tinha conhecido a viúva de Pessoa. Segundo ele, um orgulho apenas comparado ao do seu filho caso conhece-se o Cristiano Ronaldo.

Como a relação com a Ofélia nunca foi oficializada, acreditamos que o novo «amigo» do antigo autarca lisboeta na realidade trocou algumas palavras com Pilar Del Río. Este deslize fez o momento happy hour numa programação preenchida pela guerra na Ucrânia e pela habitual política. Não devemos levar a mal esta pequena troca pois estes são dois dos maiores nomes não só da literatura portuguesa mas mundial.

Se há algo pelo qual somos conhecidos lá fora é pelos nossos escritores e pela nossa bela língua. Todos somos as viúvas e os filhos dos ideais que estes dois escritores defendiam. O poder das ideias, do amor e o iberismo são alguns dos temas que fazem parte dos livros publicados pela dupla de escritores portugueses que marcaram o século XX (e também XXI). O homem das mil personalidades, Fernando Pessoa, apresentou na sua maior obra (A Mensagem) o quinto império. Este seria espiritual e religioso. Um mundo sem guerras e um novo recomeço de uma nova página da nossa história coletiva. Esta nossa pequena barca de pedra passa por tormentas e acalmias mas não tem afundado. Atualmente estamos a bordo deste barco mas esperando para ver para que lado o vento e as nuvens negras lançam a tempestade.

Desde há um mês os livros de história deixaram de ter interesse pois a guerra não está lá guardada na neblina do passado. André Jordan, o homem por detrás da Quinta do Lago, em entrevista relembrou a história da sua vida e como foi obrigado a fugir da sua natal Lviv. O empresário acreditava que a sua geração seria a última a fugir de uma guerra como refugiados. Pelo menos em solo europeu.

Oito décadas depois, as antiaéreas voltaram a soar. A história voltou a repetir-se e daqui a uns anos teremos muito a contar as nossos filhos/netos sobre os tempos que vivemos. Pode ser que novos escritores nascem e sigam os passos de Pessoa e de Saramago. Novos desafios tomaram posse das nossas vidas e este é o momento de sermos melhores. Estamos há dois anos a repetir este mantra quais monges budistas. Se calhar deveríamos optar por um cântico de felicidade.

Barreiras coletivas foram dispostas no nosso caminho e para alcançar o sucesso, para mudar e crescer, é necessário deixar tudo para trás. Inclusive os medos e preconceitos. Durante anos fomos ultrapassados por vários países de leste e vistos como a cauda da Europa enquanto deveríamos ser a cabeça. Um centro que pensa, sente e constrói novas oportunidades. Não só através do turismo mas também pela tecnologia e novas formas energéticas (algo que tanto precisamos pois neste momento somos reféns da situação).

Vamos perdendo espaço neste comboio mas afirmar que é devido a nossa posição geográfica é uma falácia. Existe mundo para além do Marão, dos Pirenéus. Este nosso jardim florido (basta haver água para a rega) sempre foi e deverá continuar a ser uma ponte entre civilizações. Como disse num outro artigo, as nossas ruas são a montra ideal que demonstra a força da nossa mescla cultural.

Como Augusto Santos Silva relembrou no seu discurso de tomada de posse na Assembleia da República que a língua portuguesa é a nossa pátria e todos somos iguais perante a lei. Ou pelo menos deveríamos. O nosso coração pensa e sente tatuado com as palavras «saudade» e «esperança». O português e o espanhol juntos são a casa de milhões de pessoas nos vários continentes.

Foi em português e em espanhol que descobrimos o mundo e deverá ser nestas línguas que reforcemos o nosso estatuto na Europa. As mais recentes atitudes de Costa e de Sánchez têm demonstrado que a união do sul é a nossa força. A nossa história permite-nos estar próximos de povos de outras latitudes. A nossa casa espiritual não vê o sol a se pôr e estende-se desde a Cidade do México até Díli.

As histórias escritas por Fernando e José fazem parte das nossas vidas e representam aquele sentimento latino que tanto nos representa. Olhamos demasiado para trás, somos as viúvas de um passado glorioso mas esse apenas importa em museus e pouco mais. A palavra futuro está sempre na nossa boca mas nunca teve tanto significado como agora. Que futuro teremos e que futuro queremos?

Pessoalmente, eu quero deixar o carpe dium de lado e voltar a fazer castelos mas não na praia pois uma onda mais traiçoeira pode chegar e deitar (mais uma vez) as nossas fundações ao chão. É do solo e dos sonhos que se fazem histórias e este é o momento para nós, simples filhos de Saramago, escrevermos as nossas. Esperemos que seja escrita num tom mais rosa do que o habitual.

 

Andreia Rodrigues

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