Desejos para um 2023 transformador

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O início de cada ano é sempre altura de fazer balanços sobre o que aconteceu e de apontar perspetivas acerca do futuro. Mas talvez, neste começo de 2023, tenhamos mais a refletir sobre o que passou, visto que 2022 foi um ano de acontecimentos muito relevantes que, certamente, irão influenciar de forma marcada o nosso futuro próximo e que deveriam fazer-nos pensar sobre como queremos viver nas próximas décadas.

24 de fevereiro. A guerra estalou no leste da Europa com a agressão russa ao povo ucraniano. Este foi o acontecimento-chave do ano que mudou completamente o nosso paradigma até então e que veio marcar o passo dos nossos dias. Vínhamos de uma pandemia que, só por si, condicionou bastante a nossa vivência, mas que, na altura, dava sinais de abrandamento e de um possível – ainda que ilusório – regresso à antiga normalidade. Com este conflito, porém, essa esperança perdeu-se e deu lugar aos receios de uma nova guerra fria. Mas agora muito mais quente, pelas melhoradas capacidades bélicas das nações em cheque – e dos seus aliados – e pelas reações extremadas de Vladimir Putin, apoiadas nas suas pretensões geopolíticas descompensadas, que ameaçam a estabilidade internacional e não deixam antever uma solução diplomática.

Com o cessamento da paz na Ucrânia, o mundo também colapsou, em muitos sentidos. Dentro da Europa, a inflação galopante fez soar os alarmes de economias frágeis e bastante dependentes de recursos externos, mesmo daquelas, como a alemã, que julgávamos mais resistentes. O jogo político da Rússia rapidamente se transformou em chantagem económica, impedindo o abastecimento de gás a muitos países europeus que dele dependiam e obrigando a rever opções de fornecimento.

Neste contexto de crise energética, oportunamente, Portugal e Espanha conseguiram destacar-se pela positiva ao colaborarem para implementar uma “exceção ibérica” aos preços deste produto aplicados noutros países da União Europeia – e que, não havendo atualizações, estará em vigor apenas até maio. Este feito, mais do que um relançamento das relações entre os dois países, foi realmente importante pelo seu impacto na vida dos cidadãos e pela dimensão mediática que conseguiu atingir. Definitivamente, trata-se de um grande primeiro passo para uma afirmação mais concreta – e, esperemos, duradoura – das duas nações peninsulares no cenário político-económico mundial.

Ainda sobre este tema, gostava apenas de salientar as oportunidades que ambos os países têm em vista. Portugal, por um lado, pode almejar ser um hub energético de enorme relevância estratégica se investir, com convicção, no porto de Sines enquanto plataforma de transformação e exportação de gás não só para a Europa, como também para outros continentes. Por outro lado, Espanha tem um papel importantíssimo na concretização e manutenção do H2Med, o corredor de hidrogénio verde que entrará na Península através de Barcelona e que poderá modernizar o abastecimento energético europeu a partir de uma fonte com uma produção mais limpa.

Obviamente, Espanha assume aqui uma vantagem, na medida em que pode já fazer frente à utilização de combustíveis fósseis e apontar para um futuro mais “verde”, mas não deve esquecer neste processo o seu parceiro ocidental. O futuro será muito mais promissor se os dois países trabalharem em conjunto, por várias razões. Primeiro, porque o afastamento e a negligência de anteriores governos face às questões transnacionais ibéricas não trouxeram resultados benéficos; pelo contrário, até piorou algumas situações (veja-se, por exemplo, a gestão danosa das bacias hidrográficas dos maiores rios, o Tejo e o Douro, levada a cabo durante anos contra a Convenção de Albufeira). E, depois, porque a emergência climática – de alcance global – inviabiliza toda e qualquer estratégia unilateral, por muito boa que seja. São necessárias parcerias, decisões concertadas, para que efetivamente possamos pressionar o travão nos efeitos desastrosos sobre o planeta que a própria ação humana provocou.

E isto aplica-se a muitos outros domínios. A adequação dos transportes aos tempos que vivemos, por exemplo, é outro dos desafios que Portugal e Espanha, principalmente, devem enfrentar juntos. Ainda assim, 2022 deixa-nos alguma esperança: Espanha, com o alargamento da sua rede ferroviária, continua a investir nos comboios como alternativa mais sustentável às deslocações por via rodoviária e aérea, enquanto o governo português anunciou que “é desta” que se concretiza a primeira linha de alta velocidade no país, entre Lisboa e Porto, que deverá estar quase totalmente construída até 2030.

No entanto, falta resolver algumas assimetrias na abordagem desta matéria que impedem ainda uma aliança ibérica, como a prioridade portuguesa dada à conexão do eixo atlântico ao invés da ligação entre as capitais peninsulares preferida pelo governo de Pedro Sánchez. Os dois países têm de olhar para este tema como uma prioridade, ponto, e colocar em ação todos os planos que visem dar uma melhor resposta ao maior número de pessoas. É preciso conectar as zonas com maior dinamismo populacional e económico de ambos os países entre si e ao resto da Europa, não esquecendo, pelo caminho, de eliminar ao máximo as desigualdades entre regiões e as barreiras existentes, nomeadamente em relação ao preço das opções apresentadas e à escassa intermodalidade (a articulação de horários com autocarros, por exemplo).

Mais do que o dinheiro que se gasta, é preciso olhar para estas operações como um investimento numa vida a longo prazo. 2023 tem de ser o ano em que todos, desde as pessoas aos governos, consigamos deixar de lado as diferenças e trabalhar em conjunto para definir as bases do nosso futuro. Temos de deixar de tratar as alterações climáticas como um problema de fundo e passá-lo para a frente de todas as agendas. E, neste processo, embora possa ser difícil equacionar para alguns, deixar ouvir outras vozes, nomeadamente as dos jovens. Se o mundo será das novas gerações, então devem ser elas a dizer já o que querem para o seu futuro.

Que as nações ibéricas consigam dar, neste 2023, um exemplo de liderança e de cooperação capaz de derrubar fronteiras e de tomar decisões realmente transformadoras para fazer face aos desafios que temos pela frente. O mundo não pode voltar a ser o mesmo, mas pode definitivamente ser melhor.

João Rodrigues e Sousa

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