Um refúgio brasileiro para começar de novo

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Brasil, o país da arvore das patacas (local onde se acreditava que nascia dinheiro) e onde gentilmente os problemas dissolvem-se nas ondas do mar para serem entregues nos braços de Iemanjá. A senhora do mar que nos liga mais do que separa. Desde sempre o outro lado do Atlântico foi um local de fascínio e a cada partida sente-se a tão portuguesa saudade. Uma perda de algo que muitas vezes não conhecemos, mas mesmo assim sentimos o vazio da sua ausência. Como diria o António Variações, estou bem só onde não estou.

O historiador Laurentino Gomes fala mesmo de um sentimento de orfandade que existe desde o grito do Ipiranga, onde um pai viu um filho afastar-se e fazer a sua vida de uma forma independente (a grande data chegará em setembro, mas falaremos sobre ela em uma outra ocasião). Ao longo dos séculos, desde o seu Descobrimento, milhões de compatriotas encontraram nesta nação sul-americana o seu lar fora de casa.

Muitas cidades brasileiras têm irmãs gémeas em Portugal. A maior será Santarém, no estado do Pará, com cerca de 250 mil habitantes e a mais copiada é Valença. Primeiro começou com o ouro ou o açúcar, mas foi sobre o sol forte do sertão que conseguiram começar de novo, deixar no fundo do mar o peso do passado. O futuro era sinonimo de Brasil. No início tivemos Cabral, Pero Vaz de Caminho e o próprio D. Pedro (que dentro em breve voltará a “ver” o país que criou) mas desde então as histórias de vida são muitas e variadas.

O fluxo entre os dois países irmãos tem sido uma constante, sendo impossível falar sobre um sem pensar no outro. Ayuso disse na sua recente visita a Lisboa que Portugal e Espanha são duas faces de uma mesma moeda e podemos dizer o mesmo com o Brasil. Um dos maiores símbolos brasileiros, Cármen Miranda, na realidade nasceu em Portugal tendo emigrado com a família com uns tenros dez meses de vida. Esta é apenas uma das figuras brasileiras nascida neste lado.

Dos 700 mil estrangeiros a viverem em Portugal, 30% são brasileiros (o que equivale a 214.500 cidadãos). Muitos brincam dizendo que este é um Descobrimento reverso. Já o ápice da imigração portuguesa para o Brasil aconteceu do início do século XX até a eclosão da I Guerra Mundial. Foram fazer a vez dos italianos. Na última viagem de Marcelo Rebelo de Sousa ao Brasil, onde fez uma paragem em São Paulo, lembrou a importância que aquele pedacinho de chão (que por acaso também é o título de uma novela da TVGlobo) teve para a família dele e de tantos outros. A sua próxima viagem deverá acontecer entre os dias 6 e 10 de setembro, em que se vai comemorar o bicentenário da independência.

A comunidade estrangeira com o maior número de representantes na cidade de São Paulo é a portuguesa. São os padeiros, diretores de empresas (como é o caso do próprio filho do presidente português), treinadores de futebol e adeptos da Portuguesa. Algumas das maiores empresas portuguesas a trabalharem no Brasil são a TAP, SONAE ou a EDP. Acredita-se que, em todo o país, existam pelo menos 5 milhões de brasileiros a possuírem pelo menos um avô português.

As declarações de Marcelo e a serie The Hunters (da Amazon Prime e que fala sobre a ida de Nazis para os Estados Unidos) fez-me pensar sobre um percurso muito semelhante que muitas pessoas fizeram após o 25 de abril de 1974. Esta foi uma data celebrada por muitos, mas vista ainda hoje em dia por alguns com um peso no coração. Nem todos eram ligados ao antigo regime, mas como não tinham ninguém a sua espera em Lisboa decidiram tentar a sorte e começar de novo num local mais quente. Um desses casos foi o do guionista Rui Vilhena, que trabalhou tanto em Portugal como no Brasil.

Quem também rumou até ao Brasil foi Marcello Caetano e Baltasar Rebelo de Sousa. Esta dupla representava os dirigentes de um país que pedia mudanças. O primeiro foi o último presidente do conselho de ministros da ditadura e, ao contrário do que a maioria pensa, não é o padrinho de Marcelo mesmo tendo ambos o mesmo nome (exceção feita a L a mais). Marcello Caetano fugiu numa chaimite e no exílio voltou a vida que sempre conheceu, a de professor universitário.

Já o segundo, o pai do nosso atual chefe de estado, foi governador de Moçambique e ministro em várias ocasiões. Ainda antes da revolução via-se com membro de um passado que aos poucos ia desaparecer, mas apenas saiu do país dois meses após abril. Ao lado da mulher, de esquerda, foi para SP deixando para trás os filhos, herdeiros de um regime que já não existia.

Marcelo Rebelo de Sousa, que na altura tinha 26 anos e trabalhava para o jornal Expresso, e Ana Maria Caetano são dois exemplos de herdeiros desencantados com o que conheciam e ambicionavam uma vida livre e democrática. Ficaram por cá enquanto os seus familiares viajaram e muitos continuam por lá com vidas feitas e com um carinho que une os dois lados do Atlântico.

 

Andreia Rodrigues

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