Um iberista quase desconhecido

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Marco Aurélio de Alcântara (1937-2014). O nome não soará familiar sequer aos iniciados mais profundos do Iberismo. Teve obra escassa e dispersa. Explicação: nele, a ação esmagou a contemplação. Mas o sobrenome Alcântara diz muito. Tão árabe, espanhol,  português, ibero-americano, brasileiro.

Começou no jornalismo. Logo ingressou na vida pública. Nos bastidores da política; na ribalta como empresário. Fundou e dirigiu agência de publicidade e editora. Nesta última, melhor nota-se sua contribuição ao Iberismo. Em livros de edição bem cuidada, como o de Juan de Valencia y Guzmán: Compendio Historial de la jornada del Brasil.

Na imprensa escreveu sobre variados temas, com predomínio absoluto da economia e política. Vale também sublinhar o seu gosto pela história e o patrimônio. Num amplo leque de temas. Do “Trigo: controle, entrega, moagem e comércio” aos “Aspectos da aculturação dos judeus no Recife”.

Sua aproximação da Espanha deu-se no início da juventude. Em 1955, a imprensa divulgava a bolsa que lhe fora concedida pela Embaixada da Espanha no Rio de Janeiro. Para a Universidade de Madri. Curso extraordinário de Ciências Políticas e Sociais. Ele, então, era aluno do primeiro ano de Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia da Universidade do Recife.

Num livro magro, de título orteguiano, como definiu um colunista de jornal, se encontra condensada a sua contribuição de iberista em “picoteos”. Notas de andar e ver é uma mescla de diário de viagem e de ensaios. Também contém alguns poemas escritos pelo autor, quase todos – são apenas quatro – de temática inspirada em reminiscências da Espanha e de Portugal.

Esses poemas estão assinados com um pseudônimo. Não em espanhol, e sim em inglês: Mark Bridge. Tradução literal de Marco Alcântara. Haveria o que dizer sobre a relação ibéricos e mundo anglo-saxão. Mas isto pode ficar para outro artigo. No “Soliloquio de invierno madrileño” tem-se a Madri callejera¸ da linguagem popular, com gírias e palavrões, tão vigentes em fevereiro de 2023 quanto em 25 de fevereiro de 1968, quando foram escritos:

“Desço pelas ruas/ – antigo e velho callejero eu sou -/ em plano inclinado:/ Jacometrazo, Fuencarral,/Hortaleza,/ de las Infantas,/ Plaza del Sol,/ Concepción Jerónima,/ Plaza ou Plazuela/ do Conde de Barajas,/ que deu nome ao Aeroporto/ Abaixo, largas/ ladeiras áridas, do Palácio Real./ En esta villa de Madrid,/  Capitán, aquí me ha dejado/ Vuestra Merced sólo,/ solito,/ dias y noches frías” – “Ay, que hace frio”/ “Me invitas a una copa?”/ ¡No me jodas!/ ¡Tú me fastidias!”

Se fosse vivo em 1968, Federico García Lorca teria em Mark Bridge um bom companheiro de conversa. O brasileiro poderia ler os seus poemas sobre o outono português, o frio de Madrid ou a neve em Nova York que conheceu na própria pele o andaluz.

De dez anos antes (1958) é o texto incluído em Notas de andar e ver sobre “O Barroco e o ensaio hispânicos”. Em apenas duas páginas tem-se uma abordagem própria e vigorosa de comparação: gótico x barroco. Há uma interessante alusão ao caráter ilimitado do Barroco e sua horizontalidade. Na conclusão do artigo, uma explicação sobre sua presença no Brasil:

“É possível que a aceitação do barroco no Brasil – seu predomínio quase imperial como estilo de arquitetura, de pintura e de escultura sacras – tenha refletido muito do caráter e da índole brasileiros: caráter e índole nacionais marcados por à-vontades herdados do sistema patriarcal e escravocrata. A que não faltaram, entretanto, constantes e vigorosas explosões de dinamismo quase gótico”.

Sem ter sido exatamente um discípulo de Gilberto Freyre, porque este não teve exatamente discípulos, está filiado à sua cosmovisão de Iberismo. Uma modesta, mas relevante, nota de rodapé.

 

Mário Hélio Gomes de Lima

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