Abril é Portugal

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Em Portugal houve e sempre haverá lugar para repensar e repousar a vida, para a entender tal como ela é, como aparenta ser e como resulta ser quando não a compreendemos ou quando ansiamos desfruta-la. Falo de um país repousado na história que soube conquistar o mundo através dos mares, quase em silêncio, ao mesmo tempo que reuniu saberes e culturas no seu território, num fluxo constante de relações com diferentes civilizações ao longo dos últimos 3.100 anos. Tartéssios, celtas, fenícios, cartagineses, gregos, romanos, alemães (suábios e visigodos), muçulmanos, judeus e outros povos deixaram as suas marcas ali. O resultado é uma maneira de ser genuíno em todos os sentidos, universal, sem dúvida, e magnífico.

Portugal encontrou o seu lugar na história e alargou-a sem limites aos cinco continentes, com tanta ousadia e com uma vocação competitiva, principalmente com Espanha, à qual se uniu por uma relação amorosa e fraterna na maioria das vezes, crítica, com os outros, e sempre estimulante. A verdade é que é bom ter alguém em quem se confie para melhorar e estabelecer, como é o caso, uma atitude germinativa de um carácter ibérico criativo e ambicioso.

Os portugueses souberam chegar e estar sempre onde pertenciam, do Brasil a Macau, de Angola à Guiné, de Cabo Verde a Moçambique ou Timor, dos Açores à Madeira. Da mais bela Revolução, a dos Cravos, surgiu a necessidade urgente de um Portugal democrático se retirar, empoleirar-se na privilegiada varanda atlântica que tem para contemplar e desfrutar a beleza paisagística quase imaculada das doces montanhas e rios lentos. Das imensidades oceânicas, das suas cidades e vilas monumentais, da sua cultura, das suas paisagens suaves, dos seus vinhos fabulosos e de uma gastronomia de produtos naturais únicos.

É seguro que o meu amor denota uma certa preferência pelos portugueses, por aquela forma de compreender o ser e a vida, por aquele saber parar como uma característica própria de um ponto indeterminado da geografia e do tempo em que convergem o fado e a saudade, um certo classicismo culto e uma convivência natural com os humildes, um quixotismo quase espanhol e uma compreensão global que coloca o país português como um dos destinos mais atractivos, mais receptivos, o melhor anfitrião, sempre surpreendente, mesmo aos mais tradicionais. O vírus paralisou o seu prazer mas a normalidade retornará.

Às vezes tenho a sensação de que Portugal é um navio firmemente ancorado, uma alternativa prudente a um horizonte incerto. Percebo os seus habitantes como poetas navegadores, capazes de lançar garrafas com mensagens de esperança a um mundo apressado e contraditório, incapazes de compreender, como entendem, que é possível viver com uma certa serenidade mesmo a meio de tempestades pandémicas.

Em Portugal, é lendária a paixão do ser humano pela terra, pela mãe adorada, pelo mar, pelo pai respeitado, pelos rios e pelos filhos amados. É uma espécie de vínculo profundo e de apoio com a natureza. O resultado é uma relação apaixonada com o país, marcada pelo entusiasmo e desacordos, por crenças atávicas e esforços de superação, por uma inexplicável irracionalidade e por uma ilimitada generosidade. Nada diferente dos complexos de Helena e de Édipo, mas aqui, levada ao extremo, à conjunção indestrutível entre o ser e a terra.

Há algo característico dos lusos, pessoas respeitosas que conseguiram preservar como poucos o ténue fio próprio e essencial, nomeadamente no campo artístico, na música, nas artes plásticas, no cinema, no teatro, mas também mantiveram a sua ousadia na ciência e na tecnologia, na indústria ou no desporto.

Não é surpreendente que nesta cadeia de realidades tenham surgido referências universais, como a epopeia de Luís de Camões, a poesia de Eugénio de Andrade, o realismo de Eça de Queirós, a originalidade de Pessoa, a profundidade de Eduardo Lourenço, a significado de Aquilino Ribeiro, a proximidade de Torga ou o ideológico e nobre Saramago.

Não é de estranhar que desta compreensão essencial do habitat, da necessidade de convivo, mercantil e da preservação ambiental tenham surgido sensibilidades na arquitectura ou urbanismo como são os casos de Fernando Távora, Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura, que se prenunciaram realidades magníficas como as de Álvaro Andrade ou o atelier FALA.

Não é de estranhar que tenham referências na cultura mundial, como é o caso das Fundações de Calouste Gulbenkian, Serralves ou da Ciência e Tecnologia, o Centro Cultural de Belém ou a Casa da Música.

Não surpreende que sejam representados por nomes como os de Madredeus, Mariza, Mísia, Mafalda Arnauth, Cristina Branco, Dulce Pontes, Salvador Sobral; Maria João Pires e todos os músicos eruditos; multifacetados, pintores, escultores, intelectuais, críticos como Cristina Rodrigues ou Manuel Patinha, Manolo Bello na televisão ou o jornalista de grande respeito europeu Fernando Rodríguez Pereira. Também no desporto existem Mourinho e Cristiano Ronaldo ou o admirável Jorge Mendes.

Permitam-me limitar as citações e os nomes, porque como as direções seriam infinitas, descritores crescentes, imensos, transcendentes de delírios mansos, sonhos conscientes, ânsia de grandeza e humildade torrencial, reserva modesta e exibição exagerada, essas actitudes diferenciadas, entre o pressuposto de realizações e a descoberta, percepções e estimativas entre as quais hoje navega um povo moderno, culto e europeu. Entre os mencionados encontramos alguns dos grandes conquistadores da vanguarda portuguesa.

Tem-se a sensação de que Portugal é um país inacabado na sua pré-configuração intuitiva, expectativa que nos mantém alerta. Talvez na qualidade portuguesa continue a pesar uma certa saudade de todo o seu passado conquistador e colonial, melancolia talvez da potência mundial que foram nos séculos XV e XVI e talvez um certo mal-estar, tão real quanto literário. É uma sensação estranha que vai do universalismo à consanguinidade, em que tudo é capturado na grande história do mundo e parado no meio da estrada, admirando, com razão, cada curva, cada momento, cada marco. O vislumbrar é uma característica muito bonita e muito portuguesa.

No final, compreende-se a trama e o desvendamento histórico, o zelo conquistador, o cosmopolitismo de Lisboa e Porto, ou Porto e Lisboa, que tanto se eleva, e a serenidade da aldeia, a plenitude cultural e a admiração atordoada da simplicidade, e aquela preciosa metáfora pela qual uns cravos não aproveitados num banquete substituíram os fardos, aquelas mesmas flores que fazem todos os meses de Abril, marcando a chegada da primavera, a necessidade de escrever sobre Portugal, um país que descobriu e construiu o seu próprio mundo com gente grande e de corações humildes. Inveja.

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