A editora brasileira Ateliê de Humanidades lança um debate público sobre o neobarroco iberoamericano

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Com a parceria do EL TRAPEZIO, o diretor do Ateliê de Humanidades, André Magnelli, anuncia o seguinte:

Lançaremos em breve pelo Ateliê de Humanidades Editorial, a editora da instituição em rede de livre estudo e pesquisa Ateliê de Humanidades, a segunda edição de um livro que considero um clássico ainda a ser descoberto: “Tradição e artifício: iberismo e barroco na formação americana“, do professor Rubem Barboza Filho (Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil).

No meio deste caminho, acabamos por conhecer o trabalho de Pablo González Velasco no El Trapezio, que entretece, com reflexividade crítica e cuidado, uma rede de pensamento e proposição em torno do iberismo e do barroco na contemporaneidade.

Em decorrência do aprofundamento do nosso diálogo e como preparativo para a publicação do livro, decidimos levantar um debate sobre este tema inusual, porém oportuno e certamente necessário: “será possível e/ou desejável realizar um giro neobarroco?”.

Neste pequeno texto que abre o debate, “O (neo)barroco como paradigma interpretativo iberoamericano”, Pablo González nos proporciona uma cartografia do que há de melhor sobre iberismo e (neo)barroco e nos apresenta sua proposta de um “iberismo metodológico”. Além de nos situar diante do problema, ele nos permite formular algumas questões de modo a provocar o debate:

  • A construção de uma hermenêutica autônoma da “macroárea cultural pan-ibérica” seria uma forma de superar as propostas hoje dominantes: o neoliberalismo, o nacionalismo e o decolonial?
  • Como entender o barroco como estilo de vida, pensamento e política? Em que sentido poderíamos dizer que “somos barrocos” (e que não há nenhum mal nisso)? Qual potência o barroco tem?
  • O pan-iberismo e o barroco podem ser defendidos como uma alternativa aos projetos predominantes de modernidade, como uma forma de experiência mais aberta, ampla e democrática do que as demais?
  • Podemos considerar o barroco como uma prioridade de estudos na filosofia, na geopolítica, nas ciências sociais e nas artes? Em que isso consistiria?
  • Uma “perspectiva (neo)barroca ibero-americana” é uma expressão coerente do que somos e uma resposta eficaz para o mundo do século XXI?

Este debate é lançado, sugestivamente, no 07 de setembro, quando se comemora a independência do Brasil… Afinal, o que torna um povo independente, mesmo? A reconstrução autônoma das boas interdependências entre nós não seria a melhor forma de evitar o circuito perverso de trocas de uma dependência por outra?

Convidamos a todos para participar do debate “Um giro neobarroco?” . Envie seu comentário ou texto para [email protected].

André MagnelliFios do Tempo, 07 de setembro de 2023

«O (neo)barroco como paradigma interpretativo iberoamericano», artigo de Pablo González Velasco

Diante do decolonialismo e do nacionalismo provinciano, um dos maiores desafios enfrentados pelos ibero-americanos (latino-americanos + ibéricos) é construir uma hermenêutica própria de sua macroárea cultural pan-ibérica. Essa é a única maneira de evitar os excessos da subordinação cultural como consequência da derrota da modernidade ibérica-barroca inicial. O que se pretende é pensar com a própria cabeça e, é claro, não renunciar a nenhuma contribuição de pensamento de qualquer lugar do mundo.

A derrota da modernidade ibérica inicial significou que todo o território ibero-americano (incluindo a Península Ibérica) foi colocado na periferia do sistema-mundo. Portanto, a situação periférica da América Latina não é uma consequência direta da colonização ibérica, mas uma consequência direta da derrota da primeira modernidade ibérica. É por isso que o estudo do barroco, sob a perspectiva da filosofia, da geopolítica e das ciências sociais, tornou-se uma prioridade para o pensamento ibero-americano.

No livro Tradição e artifício: iberismo e barroco na formação americana, cuja almejada segunda edição pela Ateliê de Humanidades Editorial verá a luz nos próximos meses, o professor Rubem Barboza Filho realiza a grande tarefa de explicar aos brasileiros uma história da civilização ibérica, como fez Oliveira Martins em seu tempo; no caso, explicando a singularidade do barroco humanista ibérico, um absolutismo neotomista não centralista – ao contrário do francês –, em consonância com os grandes avanços que se deram na historiografia desse período. Aqui vemos como vários paradigmas, conceitos e linguagens da modernidade da Revolução Francesa ou do capitalismo industrial inglês não servem para interpretar o mundo ibérico.

Em uma entrevista que realizei com Rubem Barbosa Filho, ele afirmou que os crioulos [criollo]1 – por meio do conhecimento legado pelas universidades hispano-americanas – elaboraram seu próprio pensamento “antiocidental” para se defender dos ataques de Hegel e de outros pensadores da modernidade burguesa europeia. Isso ajuda a entender o furor antiocidental existente em alguns setores intelectuais, reforçado pelo natural anti-imperialismo contra os Estados Unidos, que deu origem, após uma mutação nas universidades norte-americanas, ao desastre do decolonialismo, algo totalmente alheio à realidade rizomática mestiça ibero-americana, que Darcy Ribeiro tão bem compreendeu.

Para analisar a América, o professor José Antonio González Alcantud destaca dois aspectos. Por um lado, “a América não é uma raiz, é um rizoma, como dizem Deleuze e Guattari: sua cartografia imaginária é rizomática”. Por outro lado, A Razão Barroca de Christine Buci-Glucksmann aponta para a impossibilidade de “um discurso unificador”. Portanto, é necessário “entrar nos detalhes e manter as ambiguidades em mente para abordar as novas e complexas formulações da alteridade”.

Nesse sentido, o paradigma neobarroco tem uma ancoragem latino-americana, com um protagonismo da cubanidade, como está presente nas obras de José Lezama LimaSevero SarduyAlejo CarpentierHaroldo de CamposBolívar EcheverríaSamuel Arriarán, etc. O tropicalismo brasileiro, em todas as suas versões, com todos os seus regionalismos, desde Gilberto Gil até Gilberto Freyre, é exatamente um barroquismo latino-americano. É muito importante que se aumente o diálogo ibero-americano para fazer uma convergência de conceitos a fim de construir um sólido pensamento (neo)barroco ibero-americano.

O pluralismo barroco e tropical está relacionado ao pluralismo do mediterrâneo. A partir da Espanha, há autores relevantes em torno do barroco que já são clássicos, como Luis de Góngora e Baltasar Gracián, ou teóricos como Eugenio d’Ors. Há também muitos estudiosos do Barroco, mas o que é fundamental neste caso, reconhecendo as diferenças geográficas no barroco, é que se trate da bibliografia latino-americana e ibérica. A América Latina tem protagonismo aqui porque o barroco teve nesta região uma maior continuidade e resistência do que na Ibéria. Sobre o neobarroco, podemos ler, a partir da Espanha, Pérez TapiasHugo de FelguerinosSoldevilla PérezJosep M. Catalá Domènech e Norbert Bilbeny, entre muitos outros.

O barroco pode ser visto a partir da perspectiva da estratégia das classes dominantes na aculturação eficaz das classes dominadas, ou então através da perspectiva do ethos de resistência oriundo da contracultura do convertido, do mestiço ou do dissidente. As duas visões são válidas e complementares. Além do potencial do barroco como uma teoria interpretativa labiríntica do passado, é possível trazê-lo para o presente e o futuro. Entre outros motivos, isso pode ser feito tendo em vista a resistência cultural popular dos últimos séculos ou as possibilidades geopolíticas de tecer alianças entre países com uma base ibero-barroca. Trata-se de lutar contra a fragmentação interna desse espaço que conta com 800 milhões de ibero-falantes e de administrar a pluralidade de modo intercultural. É uma alternativa ao decolonialismo anglo-saxão, que reduz a antropologia da complexidade a uma promoção massiva – embora igualitária – de todos os etnocentrismos, numa competição suicida de reprovações entre povos e pessoas.

Já existem dezenas de livros e vídeos no YouTube que defendem o neobarroco como uma cosmovisão eficaz para navegar na revolução digital das redes sociais, com a capacidade de usar parte do inventário cultural do barroco para a atual resistência cultural às visões de mundo tecnodespotistas e ultracapitalistas. Talvez não se trate tanto de recuperar uma modernidade alternativa, mas ao menos de expandi-la, com base em uma crítica geral da homogeneização cultural da modernidade burguesa, incorporando a pós-modernidade neobarroca (A era neobarroca, de Omar Calabrese). Como diz o professor Carlos Soldevilla Pérez em Ser Barroco, uma hermenêutica da cultura, essa proposta do neobarroco como uma modernidade ampliada se baseia em: 1) O compromisso com o tempo lento, rememorativo e reflexivo, juntamente com o cuidado das pessoas e da natureza. 2) A reivindicação de uma estética da existência. 3) A consideração do sublime barroco/neobarroco, que valoriza a estética da recepção cultural. 4) O desenvolvimento e o aprimoramento da cultura popular.

O neobarroco seria uma recuperação de alguns valores aristocráticos e do personalismo ibérico diante da homogeneização da cultura de massa, seja pelo consumo ou pela estrutura social. O neobarroco necessariamente alimenta o (pan)iberismo e vice-versa. Geopoliticamente, tratar-se-ia de articular a iberofonia, sob a liderança do Brasil e da América do Sul, fortalecendo os laços entre os países de língua portuguesa e espanhola em todos os continentes.

iberismo é – em primeiro lugar e em relação ao passado – um equilíbrio (proporcional) de ativos e passivos da área cultural (pan)ibérica, após um recuo intracontinental (pós-colonial). Em segundo lugar, o iberismo pode ser um ponto de encontro para o presente, bem como uma proposta para um novo desdobramento para o futuro, a fim de se recuperar da convulsão da revolução industrial e da modernidade europeia, na perspectiva de novas sínteses policêntricas que não sejam sectárias nem nacionalistas. Mas se destilarmos sua quintessência: o que é o iberismo? É uma enfoque interdisciplinar ibérico, uma metodologia de análise e ação que inspira ativistas, acadêmicos e governantes. É o que passei a chamar de: iberismo metodológico.

Nesse sentido, é muito importante que os latino-americanos não vejam a Península Ibérica como um elemento estranho, exclusivamente europeu. Essa península é culturalmente singular, resistiu em grande parte à cultura protestante, teve de se adaptar à modernidade burguesa, mas algo permaneceu do seu pluralismo mediterrâneo, como uma zona de fronteira entre a Europa e a África, o Oriente e o Ocidente, o Mediterrâneo e o Atlântico, a Europa e a América, bem como com a experiência de Al-Andalus. E isso não se encontra em sua tradição institucional, mas sim em sua tradição antropológica. Nesse sentido, é fundamental conhecer o hispano-brasileiro Américo Castro.

Por fim, gostaria de ressaltar que a segunda edição de Tradição e artifício: iberismo e barroco na formação americana, do professor Rubem Barboza Filho, será lançada pelo Ateliê de Humanidades Editorial em um momento ainda mais oportuno do que a primeira, que também foi interessante por ter se esgotado rapidamente. Não se trata de ficar atolado em tradicionalismos ou modernidades inventadas, mas sim de nos entendermos melhor, sem adanismos, maniqueísmos classistas, complexos de inferioridade ou nacionalismos antiquados.

Tradução de André Magnelli(Ateliê de Humanidades)

Pablo González Velasco é Coordenador Geral do ELTRAPEZIO.EU. Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Salamanca.

 

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