O jornal Diário de Notícias entrevistou o embaixador de Espanha em Portugal, Juan Fernández Trigo, numa semana em que Luís Montenegro deverá ser reconduzido no cargo de primeiro-ministro já na quinta e que Lisboa recebe mais uma edição da ARCO.
Os dois países têm uma estreita relação cultural que é vista em várias atividades, como é a que organiza a IFEMA com a Câmara de Lisboa ou uma exposição do Instituto Cervantes que apresenta gravuras de dois dos maiores nomes do surrealismo espanhol ou o Centro Cultural de Belém ou a Gulbenkian a ter responsáveis (femininas) vindas de Espanha. O Instituto Cervantes de Lisboa tem cada vez mais participação portuguesa e ensina outros idiomas para além do espanhol, como é o caso do catalão ou do galego (que tem uma origem semelhante ao português).
Sobre a facilidade que os portugueses têm de falar espanhol, e não só aqueles que vivem na Raia, Juan Fernández Trigo «é com enorme satisfação ver que existe essa facilidade. É até confortável. Consigo expressar-me em espanhol, as pessoas entendem-me e os portugueses conseguem falar comigo em português e eu entendo». Como secretário de estado teve como trabalho defender a língua e a cultura espanhola. Nós últimos 30 anos, o espanhol aumentou 70% e é uma das línguas mais faladas no lado ocidental do mundo, ao lado do inglês e do português.
O Rei Felipe VI recebeu um Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Coimbra, o mesmo que o seu pai recebeu há 36 anos, e o embaixador referiu que «uma das coisas que se compreende quando se é nomeado embaixador em Portugal é o quão importante e quanta atenção a família real dá a Portugal». Vários membros da família real espanhola, que para além de ter vivido em Portugal tem ligações familiares aos herdeiros da coroa portuguesa, falam fluentemente português e voltou a ser falada a possibilidade de o rei emérito Juan Carlos vir para Portugal passar os últimos anos da sua vida (depois de ter estado por aqui os primeiros). Os dois chefes de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa e Felipe VI, falam regularmente e foi a Lisboa que a princesa Leonor fez a sua primeira visita oficial.
A cultura que liga os povos
O embaixador vê a «cultura como ponto de ligação». O conhecimento que os portugueses têm de Espanha superior do que os espanhóis têm de Portugal mas o embaixador acredita que pode-se fazer ainda mais para que outros nomes, para além de Saramago ou Pessoa, sejam conhecidos. Isto falando sobre a literatura mas existem outras áreas onde o conhecimento pode ser aprofundado.
Para o embaixador, «graças ao que aconteceu há cinquenta anos, Portugal e Espanha atingiram o melhor momento das suas respectivas histórias». As democracias chegaram aos dois países quase de forma simultânea e as comemorações estão a ser feitas em conjunto.
«Tinha 16 anos quando houve a Revolução aconteceu aqui. Lembro-me das imagens na televisão. Tenho lido muito sobre a Revolução Portuguesa, sobretudo porque me interessa. Sempre disse que a transição portuguesa é um modelo», disse Juan Fernández Trigo sobre a Revolução dos Cravos (que deve o seu nome a Celeste Caeiro, que tinha raízes espanholas). Durante a entrevista, o embaixador confidenciou que convidou o capitão de Abril Vasco Lourenço a almoçar na sede da Embaixada. Depois das transições democráticas no território, Portugal e Espanha entraram em conjunto, em 1986, para o grupo europeu pelas mãos de Mário Soares e Felipe González.
Foi na década de 80 que o embaixador Fernández Trigo visitou pela primeira vez Portugal e para ele o país está mais bonito com o passar dos anos. «No final do meu mandato, o que eu gostaria de poder dizer é que para além das muitas visitas em termos institucionais, de chefes de Estado e de Governo de lado a lado, sobretudo, que os espanhóis sabem tanto de Portugal como os portugueses sabem de Espanha», espera.
Nestas décadas muito mudou nos dois países, como é o caso da economia. Se em 1976, Portugal apenas exportava 4% do que produzia para Espanha, hoje em dia exportamos 25% para o outro lado da Raia. Um aspecto que é lamentado por todos os embaixadores são as fracas ligações ferroviárias existentes (e que pioraram depois da pandemia de COVID-19). «Acredito que temos a obrigação, enquanto europeus, de estar ligados da forma mais eficiente possível, e todas as capitais europeias estão ligadas por um comboio de alta velocidade, exceptuando Madrid e Lisboa», disse.
Foi em 1975 que Portugal celebrou as suas primeiras legislativas, que aí da detém o recorde daquelas com menor abstenção, e este ano os portugueses voltaram a ir às urnas numa votação que terminou com o bipartidismo e o Chega poderá ser o segundo partido mais votado (falta contar os votos vindos do estrangeiro).
Olivença e o apagão
Sobre Olivença (Olivenza, em espanhol), o embaixador Trigo defende que o que temos que fazer é olhar para o futuro e deixar para a história aquilo que é da história. Há pouco mais de um mês, Portugal e Espanha viveram meio-dia completamente às escuras, um acontecimento que ainda está a ser estudado e que foi captado pelos satélites da NASA.
«O que falhou aqui foi a ligação à Europa. Se tivéssemos tido a desejável ligação que tanto Espanha como Portugal tem exigido a França, teríamos certamente conseguido uma compensação imediata por este fluxo de eletricidade», disse sobre o apagão ibérico e os pedidos que tem sido feitos a Bruxelas.