Não sei quantas vezes subi a Ladeira da Barra, nem recordo o infinito número de passos que dei pelo Corredor da Vitória. Também não tenho ideia de todas as manhãs ou tardes em que atravessei o Campo Grande, nem de cada um dos momentos em que contemplei o Real Gabinete Português de Leitura, acabando por trocá-lo por outras maravilhas, entre a Avenida 02 de Julho e o Pelourinho. Estou em Salvador há quase uma semana e voltei a fazer tudo outra vez. Incansavelmente, repetindo o eterno e irresistível ritual de enamoramento que me liga a esta cidade.
É assim desde sempre, desde aquele setembro longínquo em que me apresentei ao Brasil naquela que foi a sua primeira capital. Cheguei à Bahia e fiquei imediatamente rendida, encantada com a estranha e arrepiante sensação de sempre ter estado aqui. Eu nunca tinha visitado um país de Língua Portuguesa, mas não foram apenas as palavras que me fizeram sentir pertencente ao que, carinhosamente, costumo chamar de “Portugalzão”, essa continuidade imponente, doce e mágica que fica do outro lado do Atlântico.
A partir daquele setembro longínquo, pela Bahia, foram muitas moquecas, muitos acarajés, as melhores caipirinhas, as exóticas maniçobas de Cachoeira, as constantes redescobertas do centro histórico, os passeios pela orla, cheirando o mar. Claro que também houve Rio de Janeiro e São Paulo, também houve Minas Gerais e Recife. E tantas, emoções, tantas vivências, entre o oceano e a montanha. Mas Salvador… Pois, a verdade é que Salvador está entranhada em mim, na minha pele que, aqui, fica ainda mais acastanhada, e na minha alma, irremediavelmente enfeitiçada. Como acredito no amor em todas as suas formas e manifestações, posso dizer que amo esta cidade.
Estou em Salvador há quase uma semana e não me canso – nem das ladeiras, nem do sol, nem do vento, nem da chuva. Ou melhor, da tempestade. Fui recebida com luz e calor, mas depois o céu “fechou” e “fechou feio”. Começou a chover muito e o vento impôs-se de forma ameaçadora. O Atlântico, então, ficou furioso, e claro, ainda mais deslumbrante, como costuma ficar o mar, sempre que perde a calma, se inquieta, se sobressalta, e assim se embeleza. Por aqui, a temperatura baixou e o mau tempo chegou para ficar.
O mau tempo chegou para ficar, mas eu continuei feliz, contemplando tranquilamente a minha cidade – ou uma delas, porque o meu coração, nestas coisas, é como o do marinheiro, namorando de porto em porto. O mau tempo chegou para ficar e eu gostaria de ficar também, ainda que com ele. Pelo menos por mais um bom período. É que mesmo com chuva e vento, Salvador mantém-se açucarada e chama por mim. E assim acolhe e cuida, fritando bolinhos de bacalhau, perfumando as ruas com cheiro de dendê.
Os museus, os antiquários, o artesanato, a música, as pessoas – as pessoas tendencialmente ternas e acolhedoras, comendo escondidinho e debatendo a qualidade do bacalhau. Os nomes das ruas e dos edifícios, a arquitetura. E também a praia, naturalmente. A envolvência está em tudo. Salvador encarna, orgulhosamente, todas as suas influências. E exibe-se, revelando uma personalidade única, absolutamente magnetizante. Amanhã tentarei voltar ao centro histórico, ou talvez use o Elevador Lacerda para chegar à cidade baixa. Se o tempo não melhorar, terei que ficar pela Barra. Em qualquer dos casos, vai ser bom, estarei sempre admirando e aplaudindo, respirando a cultura plural da cidade. Estes são os meus dias de Salvador, no meu queridíssimo Brasil.
Patrícia Menezes Moreira


