EL TRAPEZIO entrevista Sara Pereira: “Precisamos de romper as bolhas informativas que existem entre Espanha e Portugal”

A docente e investigadora da Universidade do Minho será uma das representantes portuguesas no MIL Institute, o novo observatório da UNESCO para a literacia mediática que inclui também Espanha

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Melhorar a cooperação internacional no âmbito da promoção da literacia mediática – por outras palavras, de um uso mais consciente e crítico dos média. É este o objetivo do novo Instituto Internacional para a Literacia dos Média e Informação (em inglês, MIL Institute) que, no passado dia 18 de março, foi lançado numa sessão da UNESCO na Expo Dubai.

Composto por uma rede de universidades de vários países – entre os quais se contam o Egito, o México ou o Brasil – o projeto acolhe também duas ibéricas já parceiras neste domínio da literacia mediática: a Universidade do Minho e a Universidade Autónoma de Barcelona. A representar a primeira instituição (e única por Portugal) estão os professores Sara Pereira e Manuel Pinto, ambos investigadores no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) e no Observatório de Média, Informação e Literacia (MILObs).

Sobre esta nova responsabilidade, o EL TRAPEZIO falou com Sara Pereira, que destaca a importância do projeto para “estreitar os laços” entre instituições e países, nomeadamente dentro da Península Ibérica.

O que é o MIL Institute?

O MIL Institute é um instituto internacional que liga instituições e personalidades com alguma tradição de trabalho sobre a literacia mediática, umas que não se conhecem e outras já com algum contexto de parcerias. É um projeto que está sob a alçada da UNESCO e que une universidades que já fazem parte de uma rede de cátedras da organização. Desta maneira, constitui um programa de cooperação ao nível mundial para tornar a literacia mediática algo ainda maior, no sentido em que a promove, e que realça muito o diálogo intercultural através dos média para dar a conhecer outros contextos e culturas, o que me parece uma questão fundamental para promover a paz no mundo.

Um dos principais objetivos deste novo observatório é fomentar a pesquisa e a colaboração transfronteiriça entre investigadores e instituições. Como é que isto se concretizará ao nível ibérico?

Através do lançamento de programas conjuntos que temos agora de analisar e que se concretizarão depois em ações de intervenção ou de investigação. Isto pode passar pelo desenvolvimento de projetos de investigação conjuntos – que já aconteceram no passado e que pretendemos retomar – mas também pelo lançamento de cursos de formação (MOOC) entre as duas universidades e de cursos de pós-graduação, especialmente mestrados, com cooperação europeia e internacional. Portanto, este novo instituto vem reforçar uma relação ibérica que já existia, mas significa também um ponto de partida para novos projetos, nomeadamente para a criação e tradução de recursos úteis para a promoção de literacia mediática (vídeos, materiais didáticos, entre outros).

E enquanto representante portuguesa, o que espera do projeto?

Felizmente não estou sozinha. Estou com o professor Manuel Pinto, pelo MILObs e pelo CECS, e o nosso objetivo é mesmo o de colaborar, participando nas iniciativas e também fazendo propostas. Claro está que aproveitamos a nossa presença no MIL Institute para internacionalizar o MILObs, para o qual recentemente lançámos a versão em inglês e estamos também a desenvolver noutras línguas os conteúdos que já temos em português. Portanto, com este projeto, esperamos ter a oportunidade de expandir o nosso trabalho para outras paragens e de receber contributos das entidades parceiras. No entanto, queremos mesmo é contribuir com o nosso saber e com aquilo que fazemos no nosso país para que, ao nível do projeto e todos juntos, possamos fazer maior pressão para melhorar as políticas em torno da literacia mediática.

Num contexto de guerras como aquele que atravessamos, qual pode ser o contributo da literacia mediática para entendermos melhor o que se está a passar?

Precisamente através do diálogo intercultural, como já referi. Eu não digo que a literacia mediática vai resolver todos os problemas do mundo, mas pode contribuir para orientar as pessoas no sentido de ficarem mais informadas e mais críticas, ajudando-as a saírem das suas “bolhas” informativas e a conhecer o outro. Quem vive em bolhas também se considera informado, e isso é perigoso porque não há perceção de que apenas se conhece um lado do assunto e se ignoram os outros lados. Por isso, através da literacia mediática, podemos de facto contribuir para esses valores, que são partilhados pela UNESCO, e que são também os valores de sociedades democráticas que querem viver em paz. Com a situação na Ucrânia, temos um exemplo concreto de que é fundamental perceber como os cidadãos estão informados e das diferentes visões que se têm de um lado e de outro, para sermos informados e agentes pela paz e contra a guerra.

E no contexto ibérico? De que forma a literacia mediática pode ajudar a aproximar os portugueses e os espanhóis?

Precisamos de romper as bolhas informativas que existem entre nós, entre Espanha e Portugal, e a literacia mediática ajuda nisso. A melhor informação sobre o outro e o diálogo intercultural não são exclusivos de povos em diferentes geografias do mundo. Aliás, fazem muito sentido em povos vizinhos como os nossos, no sentido de percebermos as diferenças e semelhanças entre as nossas culturas, mas também de estreitarmos o nosso conhecimento sobre os média e a intervenção sobre as políticas de comunicação de cada país. Para dar um exemplo concreto, a RTVE também se liga a este MIL Institute. Neste sentido, acho que seria importante que os serviços públicos de ambos os países desenvolvessem ações comuns pela literacia mediática, em articulação com os governos. Penso que falta muito este diálogo entre as instituições, porque curiosamente este já existe entre investigadores e tem sido bastante saudável. Porque quando já nos conhecemos, gostamos de estreitar os laços e promover o encontro.

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