Recentemente li um artigo, cujo título incluía a pergunta retórica «Vale a pena continuar a existir?», que «tristemente» acusava os portugueses que desejam a união com Espanha de «iliteracia histórica, económica e social». Igualmente lamentava a «perda de importância de Portugal» após 1974, fazendo pensar que o autor preferia que regressássemos aos tempos da ditadura e da guerra colonial; isso sim, é triste. A quantidade de «fascistas de armário» que ainda existem na Península Ibérica, após tudo o que os nossos países sofreram por causa da ditadura, isso sim, é lamentável.
Primeiro ponto: artigos como este só vêm acrescentar confusão ao debate. Já se decidiu, entre os iberistas, que não se alterará a soberania de Portugal nem de Espanha. A ideia de unir os dois países num só é uma utopia, não um objetivo. Se a criação de uma «Ibéria» significa o fim de Portugal, também significa o fim de Espanha. Garanto que não é isso o que os iberistas querem. Aliás, o espanholismo português não é iberismo. Seria bom distinguir as duas coisas. A Ibéria, se existisse como um só país, teria a missão de preservar todas as línguas e culturas da Península Ibérica, em harmonia, sem que uma se sobrepusesse às outras. Não se trata de subjugar Portugal à cultura espanhola, fazendo desaparecer a portuguesa, nem muito menos do medo absurdo de pessoas como a que escreveu aquele artigo: a anexação de Portugal. Se assim fosse, já nem eu estaria a escrever em português. O objetivo é a criação de uma entidade supranacional na Península Ibérica, à qual poderíamos chamar Conselho Ibérico, mas na qual os dois países manteriam a sua independência, assim como a sua identidade cultural. Seria um organismo que consolidaria a soberania portuguesa, não que a poria em causa. Portanto, podemos deixar-nos de disparates, por favor?
Segundo ponto: recentemente comemorou-se o 650º aniversário da aliança luso-britânica. Os britânicos são nossos amigos, sim, mas porquê celebrar uma aliança à qual os próprios ingleses não dão valor? Já nos esquecemos da história dos amigos de Peniche? E do ultimato de 1890? E dos problemas que o Brexit causou aos portugueses? E do facto de pelo menos três jornais britânicos terem usado o acrónimo PIGS (porcos), que inclui Portugal, para se referirem aos países do sul (que, como disse um certo holandês em 2017, gastam todo o dinheiro em vinho e mulheres)? Desculpem a franqueza, mas eles estão-se a borrifar para nós. Não somos livres para pensarmos por nós próprios? Porquê perpetuar a desconfiança cega contra os espanhóis e perpetuar a confiança cega nos ingleses? A desconfiança cega roça o ódio, e o ódio é o fundamento da xenofobia, e a xenofobia é a justificação para não recebermos respeito rigorosamente nenhum.
Tenho muita estima pelos ingleses, sim, mas também quero respeito por Portugal. E, já agora, também por Espanha. Posso perdoar, mas quero que o outro lado («os do Norte») mostre que compreende que não nos pode tratar a nós («os do Sul») como lhe der na gana. E os espanhóis iberistas já deram mais sinais que os ingleses de compreenderem as coisas que nos entristecem, porque pelo menos eles disseram que não é ao tempo dos Filipes que querem voltar connosco, e pelo menos eles estão a mostrar algum respeito e a tentar aprender português. Portugal tem muitos amigos em Espanha, entre os quais estão os iberistas.
Iliteracia histórica, uma ova. Conselho Ibérico JÁ!
João Pedro Baltazar Lázaro