“Comecei a entender que em Portugal estávamos estancados e não havia evolução. Foi o meu ponto de não retorno”. É assim que recorda o enfermeiro português Pedro Barbosa o momento em que decidiu emigrar. Acabou em Espanha, que no ano da pandemia se tornou no destino preferido dos seus colegas.
A Ordem dos Enfermeiros recebeu até 1.230 pedidos para emigrar em 2020, o que representa cerca de metade dos profissionais formados num ano em Portugal, indica a instituição à Efe.
Dados que surpreendem porque o próprio país tem uma elevada procura de enfermeiros para atender à emergência da covid, e também porque a preferência dos destinos varia: embora tradicionalmente os portugueses deem prioridade ao Reino Unido para procurar uma vida melhor, Espanha ganhou no ano passado com 148 pedidos.
Seguem-se a Suíça (133) e o Reino Unido (131), países atrativos pelos salários mas também pela estabilidade laboral que oferecem, algo que, denunciam à Efe porta-vozes do sindicato maioritário e enfermeiros, parece ainda impossível de conseguir no seu país natal, nem sequer após se demonstrar que são essenciais no combate ao coronavírus.
Sangria contínua de profissionais
“As condições de trabalho dos enfermeiros em Portugal, antes da pandemia e apesar de ter havido alguma melhoria, continuam a deixar muito a desejar”, resume à Efe Guadalupe Simões, dirigente do Sindicato de Enfermeiros Portugueses (SEP).
Com salários que depois de impostos rondam os 1.000 euros na saúde pública -entre 800 e 900 se estão em instituições sociais como lares de idosos-e sem se sentirem valorizados, fazer as malas não é uma extravagância para os enfermeiros portugueses, muito valorizados no estrangeiro.
Estima-se que cerca de 20.000 enfermeiros portugueses emigraram, algo que continua. Na última década, 2019 aparece como o pior ano, com 4.506 pedidos à Ordem dos Enfermeiros. Durante os piores anos do resgate (de 2012 a 2015), os números ficaram acima dos 2.500 pedidos.
Nem o coronavírus parou a sangria. Embora a pandemia tenha provocado um aumento da procura destes profissionais no seu país, os contratos oferecidos para reforçar o serviço são de quatro meses, renováveis por outros quadro, o que intensificou o sentimento de precariedade.
“Muitos tinham a expectativa de que (a sua situação) se resolvesse, e ao ver que não é assim deixa muitos enfermeiros descontentes”, comenta Simões.
O SEP estima que há cerca de “2.000 enfermeiros em termos precários” em Portugal, que têm perante si um mercado europeu vantajoso disposto a seduzi-los.
“Senti a frustração dos meus colegas”
“Atualmente estou em Santander. Sou de Penafiel, no distrito do Porto”, diz Pedro Barbosa.
Este enfermeiro, de 27 anos, está há vinte meses nesta cidade do norte de Espanha, onde assegura sentir-se realizado e muito valorizado no Centro Hospitalar Padre Menni. Já tem contrato fixo e duplicou o salário que recebia em Portugal, país sobre o qual soube muito cedo que tinha de sair.
“Terminei o meu curso de enfermaria em 2016 e comecei a trabalhar imediatamente em Portugal. No entanto, entendi logo que em Portugal não me ofereciam o que desejava e o que os meus colegas de profissão desejavam”, recorda.
“Trabalhava com colegas da idade dos meus pais com muita experiência, conhecimento e sabedoria que ganhavam tanto como eu, e eu era um recém-licenciado”, ressalta.
“Sem expectativas de que as coisas melhorassem, sentiu “a frustração, o desânimo, a tristeza” dos seus colegas, o que lhe fez ver, assegura, que “em Portugal estávamos de facto estancados e não havia evolução, que aquilo era o que me esperava para toda a vida, e aquele foi o meu ponto de não retorno”.
Espanha ganhou a outros destinos pela proximidade. Barbosa está separado da sua família por cerca de 600 quilómetros, uma distância que colmata por estrada.
A semelhança do idioma e a “qualidade de vida” fizeram o resto.
“Fala-se muito de emigrar” entre os enfermeiros portugueses, confirma. A principal escolha tem sido o Reino Unido, outro país onde o coronavírus está a causar estragos e onde as condições são muito mais vantajosas, conta à Efe Carlos Pinto, um enfermeiro português que está em Londres há sete anos.
“A última proposta que recebi em Inglaterra -há colegas que recebem mais- foi de 65 libras por hora, cerca de 72 euros”, diz este profissional, com 14 anos de experiência.
Pinto regressou a Portugal em março “para ajudar” o seu país e trabalhou na linha de saúde 24, onde se ficasse, poderiam pagar-lhe 8,10 euros por hora.
“No final do mês, e avaliando toda a situação, decidi regressar a Inglaterra. Nunca pensei em regressar (definitivamente a Portugal) porque as condições que foram oferecidas nunca foram boas”, explica.
Uma “carência extrema”
“Não é só por causa da pandemia, Portugal já tem uma carência extrema de contratação de enfermeiros”, diz Luís Barreira, vice-presidente da Ordem dos Enfermeiros.
Barreira salienta que “diariamente” são contactados por instituições para pedir enfermeiros e lamenta que não se tenha tornado atrativo ficar no país, do qual não só os jovens fogem.
“Estamos também a falar de enfermeiros com experiência, experiência em cuidados intensivos, já com anos de prática profissional que também estão a emigrar”, sublinha.
Portugal forma-os e outros países recrutam-nos. Entretanto, os lares e centros de saúde portugueses enfrentam uma escassez destes profissionais, não só porque há um aumento de trabalho devido à covid, mas também porque estão infetados e devem ser substituídos.
As mortes dispararam esta terça-feira em Portugal, que notificou mais 218 falecidos, acima do recorde diário registado ontem de 167 óbitos, e voltou a passar dos 10.000 contágios.