A solidariedade, uma vacina contra a blindagem da Raia

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Javier García é um padeiro espanhol que cruza diariamente a fronteira para levar o seu pão aos vizinhos portugueses; Jorge Flor distribui alimentos em aldeias de Espanha e Portugal. Na fronteira, a COVID-19 combate-se com solidariedade.

A blindagem da Raia, a fronteira luso-espanhola, acordada em março pelos Governos de ambos países para travar a expansão da pandemia, não impediu que as localidades da zona mantenham a sua proximidade. Javier García é de Fuentes de Oñoro (Salamanca, Espanha) e conduz todos os dias a sua carrinha para levar pão aos vizinhos que estão no outro lado da fronteira.

Numa região rural marcada pelo êxodo dos jovens, com uma população envelhecida que se sente abandonada em aldeias que, na sua maioria, não tem lojas de alimentação, multibanco ou consultórios médicos, gestos como o de Javier ajudam centenas de pessoas a manter a esperança. “Estamos esquecidos”, lamenta o espanhol Juan Luis Bravo, empresário de Fuentes de Oñoro que gere um hipermercado e duas bombas de gasolina na Raia, que estima que as suas vendas caíram à volta de 90%.

“Embora estejamos expostos aos contágios, tentamos ajudar a maior quantidade de pessoas”, diz Juan Luis, quem, quando se declarou o estado de emergência há um mês e meio, colocou em andamento um serviço de entrega ao domicílio de produtos básicos para ambos lados da fronteira. Jorge Flor vive em Vilar Formoso e trabalha no hipermercado de Bravo, ocupando-se da distribuição dos pedidos.

Cruza os controlos que foram estabelecidos na Raia com uma autorização que o habilita como distribuidor de alimentos. Antes de entregar as suas encomendas, desinfeta-as à frente do cliente. Quem também teve que se adaptar à emergência foi Miguel Pando, farmacêutico das aldeias de La Albergueria de Argañán e La Alamedilla, em Salamanca e junto à fronteira com Portugal. Muitos dos seus clientes são portugueses e não podem atravessar a fronteira, pelo que agora lhes leva os medicamentos a casa.

DOIS PAÍSES, UMA SÓ POPULAÇÃO

Consciente do problema, Manuel Gomes, presidente da Câmara Municipal de Vilar Formoso, que faz fronteira com Fuentes de Oñoro, explica que a sua autarquia habilitou um serviço de assistência aos idosos. “Podem ligar a um telefone e desde a autarquia conseguimos fazer-lhes as compras, levar-lhes os medicamentos ou facilitar que recebam a pensão do mês”, conta à Efe.

A blindagem das fronteiras, que se estenderá pelo menos até meados de maio e limita a passagem a mercadorias e trabalhadores transnacionais, torna “muito difícil a sobrevivência económica de Vilar Formoso e Fuentes de Oñoro”, continua Gomes. É um problema comum aos dois países, insiste, porque embora a Raia esteja “em dois Estados diferentes, é uma só população”.

“Há ruas que começam em Fuentes de Oñoro e terminam em Vilar Formoso que agora estão cortadas”, lamenta o autarca.

A COOPERAÇÃO COMO VACINA

Apesar das restrições, os municípios fronteiriços procuram formas de cooperação para ajudar os seus vizinhos. Susana Pérez, vice-presidente de Fuentes de Oñoro, explica à Efe que nos últimos dias foram entregues à Cruz Vermelha de Vilar Formoso vários lotes de máscaras e viseiras para que possam continuar com o seu trabalho humanitário.

Na passagem entre Bemposta (Portugal) e Fermoselle (Zamora, Espanha) houve também uma cooperação institucional que possibilitou, por exemplo, a entrega de medicamentos a pacientes portugueses. Os pacientes estavam confinados em Bemposta e precisavam de medicamentos que eram vendidos em Espanha. A Cruz Vermelha espanhola entregou-os à Guarda Civil, que por sua vez os fez chegar à Guarda Nacional Republicana (GNR), que finalmente os distribuiu entre os doentes.

É igualmente necessária a colaboração na passagem entre Rihonor de Castilla e Rio de Onor, que está parcialmente aberta para que os agricultores com terras do outro lado da fronteira possam dar de comer ao seu gado.

PADEIRO PELA MANHA, PASTOR DE TARDE

Jaime García é padeiro na localidade de Serradilla del Arroyo, em Salamanca. Reconhece que nesta região, para sobreviver, é preciso ter mais que um trabalho. No seu caso, alterna a padaria com a sua atividade como pastor de um rebanho de ovelhas. O seu estabelecimento familiar é o único numa aldeia com menos de uma centena de habitantes. “Trabalha-se com muito medo”, diz. “As aldeias estão cada vez mais abandonadas, toda a gente que aqui vive é idosa e de alto risco, pelo que se o vírus entrasse…”.

“Há cada vez menos serviços nas aldeias agora -desde a crise provocada pela COVID-19- trabalhamos menos 40%”, lamenta. Apesar do risco de contágio, García assegura que irá manter a padaria aberta porque “uma aldeia que não tenha uns serviços mínimos é uma aldeia morta”. Os seus clientes têm entre 70 e 90 anos de idade, e Jaime e Ana, a sua mulher, tomam todas as medidas de segurança para os proteger e a si próprios.

“Até já nos beijamos com a máscara posta”, comenta Jaime García entre risos.

PEDEM REABERTURA NO MINHO

O Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial (AECT) Rio Minho vai pedir aos governos de Portugal e Espanha a reabertura de novos pontos de passagem na fronteira entre os dois países, para “aliviar” a economia daquela região, afetada pela pandemia do novo coronavírus.

“Há necessidade de reabrir novas travessias fronteiriças como medida de alívio para as economias locais e, sobretudo, para os trabalhadores transfronteiriços que, diariamente, têm de se deslocar quilómetros para aceder aos seus postos de trabalho”, disse o diretor do AECT Rio Minho, Uxío Benítez, citado num comunicado enviado, esta quarta-feira, à agência Lusa.

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