No passado dia 19 de Novembro, o Congresso dos Deputados de Espanha aprovou uma nova lei educativa, a conhecida lei Celáa, nome da ministra com esta pasta. O nome desta lei é algo largo: “Lei Orgânica de Melhora da Lei Orgânica de Educação”. Trata-se da nona lei educacional da democracia. Esta lei revoga a anterior Lei Orgânica para a Melhoria da Qualidade Educacional (LOMCE), aprovada no âmbito de um governo do PP, que por sua vez modificou a Lei Orgânica da Educação (LOE), lançada por um governo do PSOE.
A LOMCE está morta, Viva a LOMLOE! Parece uma piada mas é o que temos. Uma LOMLOE que nasce com uma expectativa de vida equivalente à duração do signo político do actual governo.
A situação educacional em Portugal é vista como um exemplo em Espanha. A melhoria dos resultados da avaliação internacional e o baixo nível de conflito político na área favorecem uma percepção muito favorável do sistema português, especialmente da esquerda política. Existe uma certa idealização da realidade portuguesa, que não corresponde plenamente à realidade, mas que continua a felicitar-nos como defensores do Iberismo.
Voltando a Espanha. A dinâmica política com a educação produz indignação e vergonha. Indignação por padecer de constantes altos e baixos na estrutura educacional, o que acaba por afectar a estabilidade da educação. Vergonha, por fazer parte deste sistema, por dentro como professor, e por fora como cidadão e pai. Sinto vergonha principalmente quando faço viagens para trocar experiências com outros países, e tenho que explicar o que acontece em Espanha.
A pergunta que me fazem fora da Espanha é óbvia: Qual é o problema que causa tanta mudança? Eu faço o que posso e explico, resumindo as principais discrepâncias que levaram à mudança contínua das leis em 4 aspectos principais, para os quais a minha visão contribuiu.
1-Ensino privado concertado. Talvez seja o principal ponto de atrito, provavelmente pelo conteúdo económico que inclui.
A educação concertada consiste no financiamento de escolas privadas pelas Comunidades Autónomas, para que as famílias não tenham de pagar nada à escola. Essa é a teoria, no entanto, na prática muitas dessas escolas impõem às famílias a obrigação de fazer contribuições para fundações ou associações ou de estabelecer serviços extracurriculares obrigatórios. Ou seja, quase sempre acabam sendo remunerados, de forma que as famílias com menos recursos possam colocar os seus filhos nestas escolas.
A nova lei quer acabar com estas práticas. Devo dizer que estou plenamente de acordo com a garantia de que a educação concertada seja verdadeiramente gratuita. As quotas encobertas atentam contra aquilo que dizem defender desde as organizações de colégios concertados: a liberdade de ensino. Defendo também que se eliminem os concertos, pois este modelo garante a diversidade de abordagens e de ensino, o que enriquece todo o sistema.
2- Procura académica. Este é um ponto de confronto. Estabelece-se uma dicotomia entre uma educação inclusiva e uma educação selectiva e de excelência. A esquerda enfatiza a inclusão e a direita a excelência. A lei da década de 1990, a LOGSE, privilegiava um modelo integrador. Nesse sentido, foi estabelecida a possibilidade, pela primeira vez, de ser aprovado em cursos alguém que não tenha passado em todas as disciplinas. Para tal a equipa docente apenas tinha que garantir que o aluno atendia aos objectivos gerais.
Essa “flexibilidade” do sistema e a chegada massiva de imigrantes foram apontadas como as causas do declínio do nível académico reflectido em relatórios internacionais como o PISA.
O PP, como receita, tirou, é claro, a lei LOCE, o que afectou a cultura do esforço. A nova lei da Celáa resgata a ideia de flexibilidade académica e permitirá a aprovação num curso mesmo com disciplinas pendentes. Trata-se de evitar repetições, é claro, que, como eles entendem, são prejudiciais.
Tenho um conselho simples para toda essa polémica: deixe o professor totalmente livre. Cada professor sabe até onde exigir e até onde ir. Sempre houve professores cada vez menos exigentes. Nessa diversidade, o aluno aprende ao posicionar-se e ao estabelecer o que, em última instância, mais pode atendê-lo: a sua auto-exigência.
3- Língua usada para ensinar. Em Espanha há 6 Comunidades Autónomas que têm duas línguas oficiais. Cada uma delas tem um tratamento diferente das línguas da educação. A polémica está presente em todas as regiões mas onde há um maior conflito é na Catalunha. Na Catalunha a educação pública e concertada é dada exclusivamente em catalão, o espanhol ou castelhano apenas é dado 2 horas por semana. Com esta política de “imersão linguística”, quer-se garantir o conhecimento de catalão por toda a população. A população catalã tem como língua materna, na sua grande maioria, o castelhano. Creio que o nacionalismo catalão equivoca-se na sua política linguística. As imposições acabam por produzir repulsa. O exemplo do País Basco é visível, onde se pode estudar principalmente euskera, castelhano ou de uma maneira mais equilibrada ambos os idiomas, o mais acertado. As línguas servem para entender-se, confronta-las é um terror. A nova lei elimina a referência ao castelhano como língua veicular de educação. Não é razoável nem trará nada de bom.
4- Religião e disciplinas de educação cívico-democrática. No ensino da Religião Católica, as posições vão da esquerda do Podemos, que quer retirá-lo do horário escolar, às da direita, que pretende torná-lo avaliável e usável academicamente para todos os fins. Com a nova lei, a disciplina passará a ser obrigatória e voluntária para o aluno e não constará no histórico escolar. Esta é a principal mudança, pois na LOMECE, que aprovou o PP, esta disciplina contava para as notas oficiais do aluno.
Quanto às disciplinas de educação cívico-democrática; a polémica está em tratar esses conteúdos de forma transversal ou como uma disciplina independente e avaliável. Durante o regime de Franco, os valores da ditadura foram transmitidos por meio da disciplina Formação do Espírito Nacional. Talvez por causa disto, de uma forma reactiva, qualquer assunto com um conteúdo mais “político” foi eliminado e os valores democráticos foram incluídos transversalmente nos diferentes assuntos. Em 2006, o governo do socialista Rodríguez Zapatero aprovou a Lei Orgânica da Educação (LOE), que incluía nos currículos escolares a Educação para a Cidadania e os Direitos Humanos. Este é um assunto que deveria ter um consenso profundo, pois inclui os valores que permitem a convivência democrática, o que levou a um confronto ideológico profundo; com acusações de promoção do “secularismo, relativismo moral, positivismo jurídico e ‘ideologia’ de género”.
Por fim, o PP eliminou a questão da cidadania e voltou à transversalidade que mantém a lei Celáa, introduzindo como objectivo genérico: “Os alunos devem adquirir um conhecimento profundo da história da democracia em Espanha desde as origens até aos dias actuais para estabelecer valores cívicos e contribuir para a formação de cidadãos mais livres, tolerantes e críticos”.
Particularmente sou partidário da existência da matéria da cidadania, como ocorre em Portugal e em outros países europeus. A transversalidade perde qualquer concreção nos conteúdos. Os fundamentos devem ser explicados com rigor.
A situação em que a política sai da Educação é lamentável, 9 leis educacionais em 40 anos, enquanto continuamos a piorar na maioria dos indicadores. A única coisa sobre a qual existe consenso é a necessidade de consenso. No entanto, a realidade é que não existe nem é esperado.
Isso não me leva a perder a minha vocação e paixão pela docência. Todos os dias, o evento mágico continua ocorrendo quando um professor transmite conhecimentos, valores, atitudes e habilidades para seus alunos; sem interferência política. Na privacidade das salas de aula, nada pinta a política.
Pablo Castro Abad