Olivenza, a capitulação incumprida (3): A perca das propriedades privadas e comuns dos oliventinos

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Nos meus artigos anteriores comentava os direitos que os oliventinos perderam com a incorporação desta localidade na coroa espanhola, como a relação do uso da sua língua nativa e o incremento de imposto em comparação ao que pagavam na época portuguesa, demonstrando o incumprimento dos acordos que levaram a rendição da praça:

“5° – Todos os habitantes serão mantidos com todos os seus direitos e privilégios, e todos os que quiserem sair da praça poderão faze-lo livremente, vendendo e servindo-se dos seus bens”.

Neste caso, e para terminar com esta série, vou centrar-me no que aconteceu com o aproveitamento dos bens dos oliventinos.

Em 1801, Olivença era um núcleo populacional notável do reino de Portugal, com uma população de 6000 habitantes, segundo o “Recenseamento da população” de 1801, aproximadamente a metade da de Badajoz, a cidade mais próxima do reino espanhol.

Retorcedendo ao artigo anterior, o deputado Gómez Becerra disse nas cortes que na sua visita aos reis após a conquista viu: “sem dúvida a cidade mais bonita que havia em toda a província da Extremadura, rica e próspera”.

Mas como ele mesmo confirmou alguns anos depois, a mudança de soberania não convinha à generalidade da sua população, perdendo essa prosperidade. Os primeiros anos foram muito difíceis. Muitos dos seus habitantes deixaram a vila por motivos diversos, quase todos para outras cidades portuguesas, por acreditarem que a ocupação era temporária, como em outras ocasiões na história tinha acontecido.

O abandono das terras dos proprietários, que decidiram refugiar-se em Portugal e deixando-as por plantar, as circunstâncias instáveis ​​dos primeiros anos de posse da vila pelos espanhóis, bem como a tentativa de concretização das novas regras e usos “à espanhola”, devido aos seus novos governantes e eventos climáticos adversos, somaram-se a uma escassez de alimentos, que por sua vez fez com que mais população migra-se e aumentou o crime e a pobreza.

Não podemos esquecer que num escasso espaço de dez anos produziram-se quatro mudanças de poder na localidade e que foram fruto de enfrentamentos bélicos. Após a mudança de soberania houve o assédio e a invasão francesa, em desenvolvimento da guerra de independência, seguida de um novo cerco pelas tropas libertadoras anglo-portuguesas, e depois o retorno à coroa espanhola por ordens directas do comandante britânico Sir Arthur Wellesley, conhecido como o Duque de Wellington, muito malvisto pelas autoridades portuguesas, que desde então desconfiavam dos seus tradicionais aliados.

Em 1808, a população foi convocada para a defesa da pátria, solicitando apoio financeiro, tanto em dinheiro como em mercadorias de toda espécie e até em grãos. Como se não basta-se o destacamento da maior parte da população de origem portuguesa, as calamidades sofridas e a difícil situação económica, o novo soberano exigiu deles mais um esforço.

Numa guerra que não pareceu muito própria, o povo pouco contribui e as deserções se multiplicam.

Essas guerras afectaram também o comércio e a indústria locais, especialmente atacadas pelos franceses, como atestam os livros de atas: (1813) “… há duas fábricas de sola e de cordovão, uma arruinada pelos inimigos …”

Produziu-se uma espiral de decadência, em que a nula contribuição dos proprietários oliventinos emigrados em Portugal e que deixaram de plantar e pagar os seus impostos, prejudicando os compatriotas que ficaram. A Câmara Municipal não teve escolha senão tentar ser mais exigente na cobrança das taxas, o que levou ao empobrecimento.

E assim se passou a primeira metade do século XIX na vila.

Até que ocorra um choque, que tem muito a ver com a perda dos direitos de propriedade de alguns oliventinos. É sobre fugitivos, transformados em forasteiros. Em 1847 foi instituído um novo imposto, que pesou sobre os forasteiros que não cultivavam as suas terras, o que levou os proprietários residentes em Portugal a cogitar a venda das suas propriedades, antes de as perderem por dívidas contraídas com o tesouro.

Esta circunstância, juntamente com o confisco de Mendizábal, que começou 10 anos antes, trouxe empresários, fazendeiros, comerciantes e os primeiros banqueiros a Olivença. Alguns deles compraram terras de quem não podia pagar as contribuições.

Mesmo assim, as dívidas da Câmara Municipal cresceram, como em todo o país, e para fazer face às despesas orçamentais do Estado, ao pagamento da dívida e às obras públicas, começou o processo de confisco proposto pelo Ministro das Finanças, Pascual Madoz. Apenas uma parte da receita foi destinada à reconstrução e conservação das igrejas. (Gaceta de Madrid Nº852, 3 de Maio de 1855).

Ordena-se a venda da maior parte das propriedades do Estado, clero, ordens religiosas, beneficência…, e os bens comuns das povoações

Olivença não seria menos afectada que o resto dos municípios da Espanha, e aqui voltam a aparecer as condições de capitulação da praça. Recorrendo novamente aos direitos contidos no documento, procurou-se atrasar o inevitável, a venda dos bens comuns, a que todos os Oliventinos pertenciam e tinham direito a usufruir.

O acto do plenário municipal de 3 de Março de 1855 diz: “E ultimamente, que seja trazida às Cortes uma exposição para que os seus bens comuns sejam excluídos da venda, e quando não, até dois mil alqueires, com base nas causas existindo particularidades nesta vila, incluindo as de não haver terrenos baldios, e quase todas terem sido adquiridos por compra; e em maior medida, há a capitulação estipulada aquando da conquista, em cujo artigo quinto está declarado que esta vila e os seus residentes têm os mesmos privilégios que tiveram e usufruíram quando faziam parte do território português”.

Obviamente, o objectivo dos vereadores não se cumpria e os bens comuns dos oliventinos iam sendo vendidos, principalmente para forasteiros vindos de terras tão distantes como o norte de Castela e La Rioja, muitos da região de Cameros, coincidências do destino! terra onde fui batizado, especificamente em Lumbreras.

Mas nem mesmo com a venda dessas terras comuns a situação económica da autarquia melhorou. Os orçamentos estavam cada vez mais caros e o confisco não fazia nada além de prejudicar, já que as receitas que deveria receber dessas operações demoravam a chegar do Estado, que era o cobrador.

Em 1859 a situação era insustentável e da acta de 27 de Janeiro consta o seguinte: “Em consequência da Câmara estar com um défice muito elevado e não podendo actualmente atender as necessidades indispensáveis do presente orçamento, concordasse: numa declaração dirigida ao Ministro da Fazenda solicitando que nos sejam concedidos os cinquenta e sete mil reais que até ao final de mil oitocentos e cinquenta e oito e os capitais dos imóveis alienados por força das leis que se têm acumulado para cobrir o défice e cumprir as obrigações orçamentais”.

Além disso, o Estado devia à Câmara Municipal as contribuições dos bens confiscados do clero. A 31 de Março de 1859, constava da acta: “As reivindicações que foram feitas às autoridades superiores da província para o pagamento das contribuições que o Estado deve aos bens pertencentes ao clero que foram apreendidos em virtude do das leis de confisco … “.

Assim continuou as vendas, até que as muralhas, fossos e glacis fossem desvinculados a favor do Tesouro, a partir de 1869, momento em foram abandonados pelo exército, embora Olivença já tivesse deixado de ser uma praça-forte há dez anos.

Não obstante, a Câmara Municipal da época solicitou que certos locais estratégicos, como as fontes, pilares e zonas onde pastava o gado, não fossem vendidas mas sim cedidas ao município de forma gratuita.

Por sorte, foi assim que aconteceu. Também tivemos sorte de que não se cumprisse a ordem de demolição das muralhas, aprovadas por Real Ordem no dia 22 de Janeiro de 1859. “Que entrará em vigor depois de aprovada a despesa que acarreta”, informa O’Donnell por despacho de 31 de Março do mesmo ano.

Aparentemente, essa despesa nunca foi aprovada.

Entre os anos 1874 e 1875, foram confiscados o resto das propriedades comunais, as coitadas do Ventoso, São Jorge, Pedra Aguda e a Atalaia. Mas essas vendas também não ajudaram.

A voracidade do Estado fez com que se perdessem todos os bens comuns dos Oliventinos, herdados da era portuguesa, sem que isso melhorasse a qualidade de vida dos nossos antepassados.

Em todo caso, não podemos perder de vista o percurso de acontecimentos históricos que ocorreram nosso país ao longo deste século conturbado, começando com a própria Guerra das Laranjas, passando pelas guerras peninsulares e terminando com os carlistas, as revoluções democráticas, os contras absolutistas, as diferentes Constituições: 12-37-45-69 e 76, a primeira República, as mudanças dinásticas, as epidemias de cólera, varíola.

Se foi um século difícil para a população espanhola em geral, quão difícil seria para uma população maioritariamente de origem portuguesa, que se encontrou imersa em toda uma tempestade política enquanto se adapta, de geração em geração, a uma nova nacionalidade.

Rubén Báez

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