Um ministro federalista em Madrid

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A gente, aqui e em todas as partes, quer viver tranquila e em paz. Ter tudo aquilo que necessita para levar uma existência digna: casa, educação pública, trabalho bem remunerado, alimentação saudável, meio ambiente saudável, assistência sanitária gratuita, subsídio de desemprego, uma reforma suficiente para viver e garantia de um futuro próspero para os filhos. Este é o impulso essencial de vida que todos os humanos que vivem em qualquer país do planeta Terra têm.

Os espanhóis não são diferentes. Os portugueses também. Todos nós queremos o mesmo. O problema é um só: como organizamos a sociedade, administramos recursos e estruturamos a administração para atingir esses objectivos.

Espanha e Portugal são países muito antigos e, portanto, sábios. A longa história que nos precede moldou a nossa maneira de ser hoje. Mas não podemos funcionar hoje com clichês do século 18, 19 ou 20. O mundo está em constante mudança e a chave para a resiliência humana é a nossa capacidade inteligente de adaptação.

Aqui e agora há um facto capital que nos define: a nossa adesão à União Europeia (UE). Uma observação: os Estados com maior peso demográfico (Alemanha, França e Itália) são os que têm mais poder na concepção e decisão das políticas comunitárias. Espanha, com 47 milhões de habitantes, encontra-se num degrau inferior em relação a esses três grandes países. Daí a importância estratégica da adesão a Portugal, onde passaríamos a ser 60 milhões de habitantes, facto que nos elevaria directamente à primeira divisão das instituições europeias.

Precisamos dar às questões de identidade a importância que elas realmente têm neste século 21: língua, tradições, folclore, gastronomia. Estes são factos culturais, não políticos. A União Europeia, o passo intermédio para os futuros Estados Unidos da Europa, é um “container” que engloba uma infinidade de comunidades históricas, muitas delas trans-estaduais. É a partir disso não temos que fazer uma tragédia que nos deixe nervosos e frenéticos.

Como num jogo de bonecas russas, os Estados europeus são, por sua vez, estruturas administrativas onde coexiste um mosaico de culturas diversas, como os prussianos e os bávaros na Alemanha, os bretões e os occitanos na França ou os piemonteses e os sicilianos na Itália. A chave para resolver este puzzle é estabelecer um modelo perfeitamente definido e regulamentado de co-governação entre municípios, regiões, Estados e instituições europeias (Comissão e Parlamento).

Este modelo federal, implantado pelos pais fundadores dos Estados Unidos da América, debaixo da influência maçónica, é a base da sua grande pujança. A nomeação de Miquel Iceta como o novo ministro espanhol para a política territorial é uma excelente notícia para avançar por este caminho. Federalista convicto, o primeiro secretário dos socialistas catalães chega ao lugar adequado no momento oportuno.

Ao estado espanhol convém uma permanente confrontação dialética e política, as duas grandes tradições da organização administrativa que há na Europa. De um lado, a da antiga monarquia dos Habsburgo, fundamentada na confederação das entidades territoriais e que evoluiu para o modelo federal adoptado pela Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. De outro lado, o modelo centralista francês, com a sua capital Paris, implantado pela monarquia Bourbon e herdado pelo jacobinismo após a Revolução de 1789.

Se a ditadura de Franco impôs um centralismo muito severo, a Constituição espanhola de 1978, com a institucionalização das comunidades autónomas, estabeleceu um organismo federalizador que hoje, depois da experiência acumulada ao longo desses mais de 40 anos, deve ser esclarecida e consolidada. Neste sentido, a adesão da Espanha à UE dá-nos orientações muito seguras para podermos encerrar com êxito este processo de transição de uma ditadura centralista para uma democracia federativa.

Somos ajudados pelo facto de que a tradição do progressismo político tem sido, desde a época de Francesc Pi i Margall, federalista. O movimento de independência da Catalunha surgiu posteriormente e é resultado, por um lado, da rebelião da Irlanda católica (1916) e, por outro, da resistência da monarquia de Alfonso XIII a evoluir na descentralização política de Espanha, que pagou com tais decisões o advento da Segunda República e o seu respectivo exílio.

Como ministro da política territorial, Miquel Iceta também tem a obrigação de fortalecer os vínculos com Portugal, em especial no fomento da cooperação com as comunidades espanholas limítrofes (Galiza, Castilla-León, Extremadura e Andaluzia). A Raia sofre gravemente, nos dois lados, do efeito “fronteira”, com o despovoamento e os atrasos crónicos que são necessários de corrigir com urgência.

No contexto da União Europeia, a existência desta zona tão castigada é de um agravo incompreensível. A fronteira desapareceu, de facto, em 1986, mas segue muito viva na realidade quotidiana e no “pensamento político” centrado em Madrid e em Lisboa. A solução passa pelo impulso decidido nas sete eurocidades e das três Eurorregiões transfronteiriças já estabelecidas nos últimos anos mas que não têm a projecção institucional e orçamental que merecem.

Algo semelhante acontece com os Pirenéus, que também sofrem o flagelo do despovoamento e da estagnação económica. As eurorregiões também são a chave para superar as consequências perniciosas do “efeito fronteira”. Já está em operação com as regiões da Aquitânia, Euskadi, Navarra, Occitânia, Catalunha, Aragão e Ilhas Baleares. Mas, neste segundo caso, o movimento de independência catalã “matou” a sua viabilidade institucional.

Esta é uma das heranças que o presidente Pasqual Maragall nos deixou mas o projecto separatista levou a um beco sem saída. Se depois do dia 14-F houver um novo governo na Generalitat, diferente do actual, a recuperação da Eurorregião Pirenéus-Mediterrâneo deve ser uma das prioridades estratégicas para a recuperação do impulso económico e da liderança internacional da Catalunha.

Jaume Reixach é jornalista e editor das publicações EL TRIANGLE, LA VALIRA e O TRAPÉZIO

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