Para a esquerda, agora para a direita. É assim, passo a passo, que Mercedes Prieto ensina algumas danças tradicionais do mundo às alunas e alunos que, semanalmente, frequentam as suas oficinas no Casino Afifense. A iniciativa nasceu há mais de um ano com um nome curioso, “Afifolk”, juntando o nome da localidade onde as aulas acontecem – Afife – ao termo folk, que designa a música tradicional e as suas expressões.
“É o nome carinhoso que lhe pusemos”, diz a sorrir a coreógrafa de Salvaterra de Miño, enquanto nos conta sobre como surgiram estas oficinas. Tudo começou há dois anos quando veio parar a Âncora, uma freguesia do concelho de Caminha já próxima de Viana do Castelo, depois de morar em Lisboa e em Évora. Isto no meio de uma pandemia. O ar feliz muda imediatamente para uma expressão resignada quando recorda as dificuldades dessa altura. “No mundo cultural, é raro termos contratos. Somos mais biscateiros do que outra coisa. E o meu marido, também artista, ficou comigo em casa sem trabalho”.
A sorte de Mercedes haveria de mudar quando começou a dar formação artística a professores nas escolas do Minho português. Onde conheceu Maria Barbeitos, a amiga e “professora embaixadora” do projeto, que lhe deu os contactos necessários para conseguir o espaço para as aulas e o apoio da Câmara Municipal vianense.
A partir daí, tudo seguiu um ritmo relativamente rápido. “Fizemos a divulgação e essa minha amiga trouxe logo as amigas para experimentarem as aulas.” As quais convidaram outros amigos, e assim foi crescendo a turma. Mesmo os que não se conheciam passaram a fazer amizades nestas aulas “bastante descontraídas”, afirma a bailarina. Até pelo facto de se ensinarem danças tradicionais que, já por si, “puxam ao convívio e à coesão social”.
E se não sabe dançar? Não há problema: as aulas ajustam-se a todo o tipo de pés. “As pessoas que vêm às aulas nunca têm todas a mesma habilidade. Por isso, preparo sempre um repertório acessível para que todos possam dançar”, explica Prieto. E há ainda outra vantagem: é possível aprender mais sobre o contexto de cada baile e até dançar o que é típico de cada época. “Pretendo transmitir sempre esse conhecimento cultural e adapto a programação de cada aula à época do ano em que estamos. Se é Carnaval, por exemplo, falo um pouco de como se dança nesta altura em diferentes países”.
O que, de facto, aconteceu neste final de fevereiro, em que Mercedes deu a conhecer as danças carnavalescas da “Colômbia, Brasil, Perú e Argentina”. Mas não são apenas os países latino-americanos a destacar-se nestas aulas. O folclore português – do qual faz parte o vira ou o pezinho – é o protagonista habitual, aliado a algumas danças tradicionais de Espanha. “As jotas, o fandango, algum jauziak – uma dança do País Basco que significa “saltos” – a dança do rogle – “roda” em catalão – a sardana, alguma habanera ou mesmo o galandum – uma dança de Trás-os-Montes que existe também em algumas zonas de Castela”.
“Este é o repertório mais livre”, garante, porque depois há que treinar para a apresentação em bailes folk “com um repertório mais fechado”. Mas só os alunos “que querem e têm já algum conhecimento” participam nestes encontros com “grupos de vários lugares” e interpretam danças típicas de diversos folclores. Como a chapelloise (França), a valsa (Áustria) ou a mazurca (Polónia).
“Eu quero é que eles estejam bem-dispostos. Que possamos dançar para estarmos juntos, isso é o mais importante”, afirma a coreógrafa, sublinhando a diversidade da sua turma. “A maioria dos alunos são portugueses e também tenho estrangeiros; no início também éramos mais mulheres, mas agora já tenho uns cinco homens”. O que explica pelo facto de os primeiros a inscrever-se terem conseguido “quebrar o gelo” e trazer os amigos. “Não foi fácil, mas eu penso que esse preconceito seja menor quando se tem mais idade. Eles já têm um conhecimento maior de si próprios e vêm porque sabem que gostam e lhes faz bem”, acrescenta.
Mas sabe que não é assim em todo o lado. Da sua experiência de morar no Sul, concluiu que os alentejanos “são mais reservados e não gostam de mostrar que não sabem dançar”. Obviamente não quer generalizar, mas sente que, no Norte, o ambiente é “mais descontraído” e que há “mais vontade de aprender, de expor o corpo”. Ajuíza, portanto, que se dança “muito mais cá em cima”. E dá o exemplo da permanência e “força” de “muitas romarias” e reuniões de dança “aos domingos” em várias cidades minhotas.
“Não faço nada por acaso”
A par com o Afifolk, Mercedes Prieto desenvolve também outros projetos ligados à dança, nomeadamente o seu grupo de folk Pesdelan. “Vamos atuando em vários sítios e já produzimos o livro Pezinhos de lã – em galego, Na punta do pé – para crianças e jovens, com um CD e um DVD”.
Além disso, a coreógrafa regressa “pontualmente” à Galiza para fazer “ciclos de oficinas” em projetos artísticos e atividades nas escolas. Uma dessas iniciativas é o programa internacional MUS-E, criado pelo violinista Yehudi Menuhin em 1993 com a missão de “levar os artistas de várias expressões às escolas”, e que Prieto organiza tanto em escolas portuguesas como do outro lado da fronteira.
Em Portugal, o projeto introduziu-se em 1998, mas não “cresceu muito”. Ao contrário de Espanha, que o acolheu anos mais tarde “com o apoio do Ministério da Educação”. No entanto, Mercedes salienta o “bom resultado” de ambos os países e destaca uma atividade de intercâmbio que já realizou entre “uma escola de Leiria e outra de Salvaterra de Miño”. Uma espécie de “Erasmus por videoconferência”, explica, que a fez ensinar dança a alunos portugueses, enquanto “um professor de música em Portugal tocava” para os “seus” alunos galegos.
“Foi um projeto muito interessante”, que serviu, sobretudo, para verificar as semelhanças entre a cultura portuguesa e espanhola. “Na dança, por exemplo, temos os viras e as jotas, que são muito parecidas”, mas admite outros exemplos em que as diferenças são evidentes. “A figura do mandador, que comanda o grupo de dança, mantém-se na Galiza e desapareceu em Portugal de uma forma geral”. O que, apesar de tudo, não incomoda Prieto. “As coisas vão evoluindo: é bom que os caminhos nos levem a diferentes paragens”.
É nessa base comum, mas autónoma, que Mercedes estrutura a sua forma de preservar e divulgar as tradições ibéricas. “É assim que vejo as coisas e não faço nada por acaso. Levo muitos anos já a fazer essa aproximação entre a Galiza e Portugal, porque sou raiana”. E, enquanto dança, continua a acreditar que o património se pode conservar e fica “mais rico com a personalidade de quem lhe acrescenta coisas”.