O terramoto de Lisboa de 1755 e o racionalismo ibérico

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O dia de Todos os Santos de 1755 produziu em Lisboa um grande terramoto que foi seguido, uma hora depois, por um maremoto gigantesco é um conjunto de incêndios que acabaram por destruir a cidade e provocar comoção por toda a Europa. Nos lamentos posteriores a esta destruição, os encantos e riquezas de Lisboa eram colocados ao mesmo nível de Paris ou Londres.

A magnitude e a transcendência desta catástrofe fez conscientes os filósofos ilustrados, que emocionados reflectiram sobre ela, tanto nas questões físicas como filosóficas. Entre os mais emocionados, temos Voltaire e Kant. Voltaire questionava-se sobre o absurdo desta catástrofe com um poema que dizia: “Filósofos enganados que gritam: Tudo está bem. Acudam e vejam estas ruínas espantosas!“. Na sua obra, “Cândido”, em que a protagonista tem a sorte de ser naif, simples. Voltaire voltar a expor, de forma particular, os autos de fé com aqueles que queriam procurar culpados, independentemente de serem hereges, judeus ou candidos.

Ao jovem Kant, pela sua parte, conduziu aquele fenómeno que interpela a razão ela mesma. E isso deu o ponto de partida para que se reflectisse sobre uma terminologia física, chegando a sugerir que Lisboa, de futuro, tivesse um sistema edificação mais adequado a sua realidade geológica, empregando materiais mais ligeiros e alinhando as casas de uma maneira distinta, para que o movimento que havia provocado todos este drama fosse amortizado, caso houvesse uma repetição no futuro. Kant, mesmo crente, interrogava-se directamente pelas causas racionais: como funcionava a pressão da água, os fogos, etc. Uma das causas dos incêndios que atingiram Lisboa, que acabou por causar algum ridículo, já que eles foram alimentados pelas velas usadas nas igrejas no dia dos mortos. Mas, para Voltaire, o assunto era mais denso do que para Kant e desafiava directamente a existência de Deus e que se ele existisse não poderia tolerar todo esse sofrimento.

O terramoto sentiu-se em toda a península ibérica. Em Cádiz, o bispo retirou a sua batina, se não houvesse mais fraude na cidade, através da intercessão junto do santo Emygdio, protector contra terramotos. Naquele tempo, passaram os jovens de um frade capuchinho, de ordem inferior, aqueles que cultivavam a fé dos simples, nas crenças mais directas e elementares. O impacto deste terramoto foi acentuado e levou a que o conhecido Frei Diego José de Cádiz, que já era conhecido como homem santo, atacou na sua pregação com uma oratória forte contra os “políticos, estadistas, filósofos e libertinos”, que eram a origem do mal que levou a estas catástrofes naturais. Durante sua pregação pelos templos da cidade, e percorrendo o ambiente rural circundante, ele fez parecer que este flagelo era um castigo divino. Essa simples ideia e de origem medieval teve origem no século XVI com as danças da morte, de grande beleza estética e magistralmente retratada por Holbein, jovem, enquanto Dürer representou esta catástrofe como os quatro cavaleiros do Apocalipse. O discurso iconográfico, que durante séculos se repetiu em todas as partes da Europa central e do norte, e que acontece depois de qualquer catástrofe como a peste negra, agora ecoou novamente nas almas simples do povo de Cádiz com a pregação ardente do irmão Diego, mas sem isto dar origem a nenhum movimento messiânico.

Talvez aconteceu porque os habitantes da península Ibérica, apesar do seu catolicismo particular, foram muito mais racionais do que aquilo que nos fizeram ver na resposta aquele desastre natural e a resposta dada em Portugal, e que levou a reconstrução de Lisboa pela mão do Marquês de Pombal, que era visto como um incrédulo e um ateu. Foram iniciados vários projectos de reconstrução e triunfou o racionalismo. E o que ainda é mais importante: não se produziu ali nenhum movimento milenaristas notável, como aqueles que se enraizaram com tanta frequência na Europa Central.

Assim, os mais esclarecidos começaram a promover a observação da natureza, seguindo os ditames de filósofos como Leibniz. Hoje, ao visitar o observatório de Palermo, de origem claramente maçónica, localizado num antigo palácio normando, constitui uma experiência do triunfo da razão sobre a adversidade. Do mesmo modo, uma ordem religiosa estritamente ibérica, como é o caso da Companhia de Jesus, começou no século seguinte, no século XIX, a abrir observatórios astronómicos e a registrar com precisão os movimentos naturais. De Madrid, a Lisboa, de Havana às Filipinas. Observatórios jesuítas, que tiveram uma grande difusão, registro de tufões, terramotos, etc.

Graças a esta disposição histórica racionalista dos povos ibéricos e latinos, que exemplifica-se no dia após o terramoto de Lisboa de 1755, a Europa de hoje não pode, isto por causa do flagelo do Covid-19, culpar o sul e as suas imprecisões e indolências, já que o estudo de catástrofes naturais é um tema que atravessou a Europa no seu conjunto e muito notavelmente comprometeu o sul do continente. Esta é a hora!

 

José Antonio González Alcantud é catedrático de antropologia social da Universidade de Granada e académico correspondiente da Real Academia de Ciencias Morales y Políticas de Espanha. Premio Giuseppe Cocchiara 2019 aos estudos antropológicos.

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