“O Tempo Histórico e a História do 25 de Abril”: O que falta saber sobre a revolução?

O debate aberto ao público, organizado pelos média DN/JN/TSF com a Câmara Municipal de Setúbal, juntou seis olhares sobre o tempo histórico e o futuro da revolução de Abril que não deixaram de apontar algumas ligações ibéricas

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Passados 48 anos, poderá escrever-se hoje uma nova história da Revolução dos Cravos? Já se “libertou” toda a informação reservada ou confidencial que se deveria libertar? Que novidades e contributos podem trazer os jovens investigadores do 25 de Abril? Estas e outras questões foram apenas alguns dos caminhos do debate “O Tempo Histórico e a História do 25 de Abril”, integrado na iniciativa “Venham Mais Vinte e Cincos” da Câmara Municipal de Setúbal e que decorreu esta quinta-feira no Salão Nobre da autarquia.

A sessão, moderada pelo jornalista Pedro Tadeu, contou com as participações de seis historiadores e académicos portugueses: Adelino Maltez, Albérico Afonso Costa, António Costa Pinto, Fernando Rosas, Irene Flunser Pimentel e Silvestre Lacerda. Na abertura estiveram ainda presentes André Martins, presidente da Câmara de Setúbal, e Pedro Cruz, diretor-executivo da TSF, em cuja antena e sítio o debate foi transmitido em direto, assim como nos sítios do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias.

Uma investigação incompleta em várias frentes

Ao longo de todo o debate, o tema principalmente apontado e discutido pelos vários oradores foi, sem dúvida, o facto de ainda hoje não se saber tudo sobre a Revolução dos Cravos. Logo na abertura, o diretor da TSF referia-se ao 25 de abril de 1974 como o “dia inicial, inteiro e limpo” para a história do país, ideia que Irene Flunser Pimentel contrapôs na sua intervenção com a questão “das quatro mortes e dezenas de feridos” resultantes do golpe de Estado. “Para a nossa geração de investigadores não foi um problema, mas isto incomoda os mais jovens que agora investigam e se sentem enganados”, salientou. “Eu continuo a dizer que [o 25 de Abril] foi uma revolução pacífica, mas é preciso lembrar os que morreram”, acrescentou.

De uma outra perspetiva, Adelino Maltez trouxe à discussão o “fantasma de direita” que considera existir em torno da Revolução, salientando que “o 25 de Abril foi um momento de libertação para todos – e não apenas para os de esquerda”. Nesse sentido, referiu a necessidade de se fazer “o inventário da direita” neste período histórico e destacou o papel de monárquicos que, como ele, “participaram” ao lado dos revolucionários. Contudo, Fernando Rosas argumentou que, “apesar das várias sensibilidades que possam existir, o 25 de Abril não é de direita e foi feito contra a direita”, justificando que o processo revolucionário “agrupou vários movimentos antifascistas”. Silvestre Lacerda interveio ainda sobre a questão, desempenhando um papel neutral ao afirmar que “a esquerda não tem o monopólio do 25 de Abril, mas sim as pessoas e os profissionais da academia”.

No centro do debate esteve também o 25 de Novembro, um outro momento do processo revolucionário que opôs militares da extrema-esquerda e “moderados” mas que, na atualidade, suscita ainda “várias dúvidas”, como sugere António Costa Pinto. Na sua intervenção, o historiador salientou que eventos como este, na memória de grande parte da população, são ainda “território estrangeiro”, e reclamou a falta de aprofundamento das ligações entre o PCP e os oficiais gonçalvistas. Já Irene Flunser Pimentel, para além de reiterar a necessidade de se “estudar mais” este acontecimento, referiu que a “reposição dos factos” não pôde ser feita devidamente uma vez que “os derrotados foram presos e calados”.

“Falta conhecer” a visão local e internacional do 25 de Abril

De um modo geral, os oradores sublinharam também que já se sabe muito sobre a importância da Revolução dos Cravos no contexto nacional. No entanto, Albérico Afonso Costa, professor no Instituto Politécnico de Setúbal, lembra que “falta conhecer” o lado local deste processo. “O choque que o 25 de Abril provocou nas diferentes cidades também é importante de ser estudado e mostra o Portugal desigual”, garante. E aponta até um “certo desprezo” dos investigadores por esta dimensão, nomeadamente no que diz respeito à ação política e interventiva de vários movimentos populares locais e regionais, dando como exemplo o Movimento Democrático de Setúbal.

Para além desta componente local, outros membros do painel destacaram que falta ainda explorar a dimensão internacional da Revolução, que se deixou influenciar por certos aspetos estrangeiros e inspirou outras revoltas além-fronteiras, como a de Espanha. Sobre este aspeto, o país vizinho foi várias vezes nomeado, com António Costa Pinto a lembrar a “ideologia antiautoritária e de rutura única” naquele contexto histórico e que inspirou o processo “mais complicado” do lado espanhol. Adelino Maltez, por sua vez, referiu que em Portugal “não houve tanto dramatismo” como do outro lado da fronteira, considerando que a construção da democracia no país “soube captar as várias divergências”. Irene Flunser Pimentel ressaltou ainda que falta estudar “melhor” as consequências da Guerra Colonial e a atuação de movimentos radicais como o MDLP e o ELP, cujas estruturas operacionais estavam sediadas em Madrid e envolveram também a colaboração das autoridades espanholas.

Apesar de tudo, o consenso entre os oradores é de que há muita investigação feita sobre a Revolução em geral, mas ainda faltam decifrar alguns detalhes e eventos concretos. Como causas desta falha “na procura das coisas”, Fernando Rosas destacou o atraso na “abertura de fontes importantes”, como os arquivos de Salazar, da PIDE-DGS ou de Marcello Caetano, lista a que Albérico Afonso Costa acrescentou os arquivos militares e da polícia. Sobre estes últimos exemplos, Silvestre Lacerda admitiu que existe ainda “uma grande dispersão” dos relatórios das várias unidades militares, mas não deixou de salientar a abertura gradual destes arquivos. E enquanto diretor-geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, destacou ainda a “quantidade significativa” de informação disponível, proveniente de arquivos pessoais e de organizações, deixando como exemplos os “10 quilómetros” de informação do antigo regime acessíveis na Torre do Tombo e o arquivo de Salazar, cuja “digitalização integral” está aprovada no PRR nacional. “Para se conhecer mais sobre isto não faltam fontes, falta trabalho”, concluiu.

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