20/05/2025

‘A Revolução a que se Pode ir de Carro’ apaixonou os meios de comunicação e serviu para inspirar em Espanha

Entrevistamos a autora (Rita Luís) do livro 'A Revolução a que se Pode ir de Carro' (Editora da Imprensa de Ciencias Sociais)

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Rita Luís é investigadora no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa. Com a autora falámos sobre como surgiu a ideia para esta obra, a forma como a Revolução dos Cravos ajudou a inspirar outros momentos históricos ou o impacto que esta Revolução continua a ter na identidade portuguesa. O livro, que entretanto já pode ser adquirido, descreve a forma como os meios de comunicação social analisaram a Revolução de 74 e a Transição Democrática em Espanha. Foi através dos media que a Revolução dos Cravos foi apresentada em Espanha. Este livro encontra-se na vanguarda da internacionalização dos estudos sobre a Revolução portuguesa, até agora sobretudo de enfoque nacional.

– Como surgiu a ideia para este livro?

Este livro resulta da investigação para a minha tese de doutoramento, realizada em Barcelona, na Universitat Pompeu Fabra há já quase uma década. Na altura em que estava a fazer o mestrado, também na Pompeu Fabra, fiquei surpreendida com a forma como nos jornais se escrevia sobre o Maio de 68, em Paris, já que tinha, na altura, uma ideia muito redutora do que seria um sistema censório. Daí para pensar uma tese sobre o 25 de abril terá sido um passo não muito longo, mas confesso que já não me recordo exactamente de todos os contornos.

Actualmente, é relativamente claro para nós que acedemos ao evento – político, mas não só – através da sua mediatização, mas quando olhamos para traz, por vezes olhamos para estes meios de uma forma talvez excessivamente inocente, sem problematizar como e por que razão aquela informação ali chegou. Assim, o que este livro procura é analisar, tendo a imprensa espanhola como ponto de partida, a forma como o evento foi construído mediaticamente — não apenas por essa imprensa, mas também pelas suas fontes, nomeadamente as grandes agências noticiosas, à época norte-americanas, britânicas e francesas; pelos grandes jornais, novamente americanos, britânicos e franceses; e pelo ecossistema mediático em que essa mesma imprensa operava, observando a sua relação com a televisão, a rádio, as fontes de informação, entre outros.

– O que se falta dizer sobre o 25 de Abril?

Julgo que, apesar dos diversos estudos já realizados, há ainda muito por saber no que diz respeito a duas dimensões em particular, aparentemente opostas, mas interligadas. Por um lado, a dimensão quotidiana dos sujeitos revolucionários, das pessoas – frequentemente mulheres – que, muitas vezes, nem sequer chegam a figurar nas notas de rodapé dos livros de história e que a imprensa espanhola invisibilizou: por exemplo, os camponeses, os operários, as pessoas envolvidas nas lutas pela habitação, pela saúda, pela educação, etc. Por outro lado, a dimensão transnacional deste evento, a forma como mobilizou, influenciou e se rearticulou com outros processos políticos.

– A revolução portuguesa ajudou a inspirar a transição democrática em Espanha de que forma?

O processo revolucionário em Portugal influenciou, sem dúvida, o processo de transição em Espanha. Na imprensa, durante cerca de dois anos, discutiu-se a situação política espanhola através dos eventos em Portugal. Mas não sei se o verbo inspirar será o que melhor descreve esta influencia, pois ela inclui tanto aspectos negativos, como outros mais positivos, consoante os sujeitos e dimensões analisadas.

– O que distinguiu a Revolução dos Cravos de outros momentos históricos que marcaram o século XX?

Diria que todos os eventos têm a sua especificidade, algo que os torna distintos. No caso do 25 de Abril, é frequentemente evocada a ideia de uma revolução sem sangue, mas podemos também considerar a politização das forças armadas de um império colonial ou, até mesmo, a dimensão geopolítica desta revolução, que constituiu um elemento particularmente distintivo.

– Como os meios de comunicação espanhóis (estrangeiros) viram e continuam a ver a revolução portuguesa?

Posso falar com mais propriedade sobre o passado. Em relação ao presente, a imagem que tenho é fragmentada e impressionista, embora me pareça que continua a existir curiosidade — como esta entrevista demonstra. À época, podemos falar de meios com poucos recursos e que, portanto, dependiam, como já referi — alguns por necessidade, outros por escolha — de um sistema mediático internacional.

É certo que independentemente do papel que agentes supranacionais, como as agências noticiosas, desempenham no processo de estabelecimento de uma agenda mediática, esta adquire especificidades à escala nacional. E é interessante, por isso, integrar a cobertura espanhola nas suas dimensões transnacionais, pois permite justamente evidenciar quais eram as suas especificidades.

Este processo de negociação permite vislumbrar não só os limites da liberdade de expressão impostos pela censura franquista, mas também os condicionamentos resultantes da procura de consenso. Este consenso estabelece-se em torno da ideia de moderação e torna-se particularmente eficaz a partir do momento em que a representação do conflito social, em particular da questão sindical que opunha o Partido Comunista ao Partido Socialista no início de janeiro de 1975, surge sob a forma de violência.

– Tivemos alguma outra revolução em que foi possível ir ver de carro?

Se não de carro, talvez de comboio, barco, avião ou bicicleta – e não serão dos meios de transporte também meios de comunicação? Acho que podemos olhar para a Guerra Civil em Espanha como um desses momentos em que há uma solidariedade internacionalista que convoca a presença no território.

Na altura, estava também em curso um debate, em grande parte promovido pela UNESCO, mas também pelo Movimento dos Não Alinhados e os movimentos de descolonização, que problematizava o papel de um fluxo de informação dominado pelo Norte global. Na prática, isso significava que as notícias sobre o “sul” eram dadas no “sul” por canais dominados pelo “norte”.

– A Revolução dos Cravos é mais portuguesa (lusófona) ou ibérica?

Trata-se de um evento português, mas, como referi anteriormente, com implicações transnacionais – sendo talvez a mais óbvia a sua dimensão colonial, embora tenha tido, naturalmente, uma influência considerável no processo de transição em Espanha.

– Próximos projetos?

Além de desejar que este livro seja lido e discutido – aliás, gostaria até que pudesse ser lido na Espanha, de forma a alimentar os debates sobre a transição – a minha investigação continua a estar fortemente relacionada com a dimensão ibérica, embora actualmente esteja mais dedicada ao período anterior – o dos regimes ditatoriais: o Estado Novo e o Franquismo. Como historiadora da comunicação, interessa-me compreender o fenómeno censório, entender como funcionava no quotidiano para além das instituições existentes para a repressão e, sobretudo, perceber como pode ser trabalhado pelos historiadores.