EL TRAPEZIO entrevista Paulo Oliveira, músico e autor do álbum ‘Iberian Impressions’

O álbum de estreia do pianista português é apresentado esta terça-feira na Casa da Música, no Porto

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Há algum tempo que Paulo Oliveira (Vila do Conde, 1979) planeava editar o seu primeiro trabalho discográfico, mas as vicissitudes da vida – e a falta dos temas acertados – fizeram-no ir adiando essa decisão. No entanto, foi no encontro entre a música portuguesa e espanhola que o pianista descobriu a peça que faltava. E daí germinou as suas Iberian Impressions, que editou a 13 de maio de 2022 e mostrou pela primeira vez ao vivo no dia seguinte, no Teatro Municipal da terra que o viu nascer.

Reconhecido como um dos melhores pianistas portugueses da sua geração, Paulo Oliveira já levou longe a sua carreira. Venceu vários prémios nacionais e internacionais, entre os quais o 1.º Prémio no Concurso Internacional Bartók-Kabalevsky-Prokofiev, e tem atuado pelos palcos do mundo, incluindo uma passagem pelo Palau de la Música Catalana, em Barcelona.

Agora quer fazer o mesmo com o seu álbum, que já mereceu uma distinção nos Global Music Awards e a aprovação da crítica internacional. Esta terça-feira, o também membro fundador da delegação portuguesa da EPTA (European Piano Teachers Association) apresenta o trabalho na Casa da Música, no Porto. Promete levá-lo a Espanha e, quem sabe, mais além.

Nota: esta entrevista foi realizada previamente à apresentação do disco na Casa da Música.

 

Como surgiram estas “impressões ibéricas”?

Na verdade, este projeto já tem algum tempo. Diria que começou nas primeiras atuações que fiz na Embaixada de Espanha em Lisboa, em 2017 ou 2018. Os programadores culturais da Embaixada sugeriam-me sempre a inclusão de música portuguesa e espanhola, por razões óbvias. Mas no meu repertório, no qual fui tendo sempre o cuidado de manter alguma música portuguesa, a música espanhola tinha o mesmo espaço da música de outro país qualquer.

Nessa altura, evidentemente, foi ganhando mais espaço. Descobri mais música de Espanha, por necessidade e pela vontade de não tocar sempre a mesma coisa. Então reuni um novo repertório, que fui aprendendo e tocando, e as pessoas perguntavam-me muitas vezes onde podiam comprar o disco com aquelas músicas. E eu dizia-lhes: “pois, gostava muito de o ter, mas ainda não as gravei”. A semente virá daí.

Foi já durante a pandemia, quando estávamos todos muito limitados, que nasceu realmente a ideia de um projeto discográfico. O primeiro de mais dois ou três discos. A maior dificuldade foi escolher a música para o disco, porque o meu repertório dava para muitos mais.

E porquê, então, abraçar a fusão musical entre Portugal e Espanha neste álbum de estreia?

A minha ideia foi sempre partilhar a música portuguesa e espanhola, mas não quis simplesmente atirar obras ao acaso. Então, desse repertório que fui recolhendo, comecei a observar algumas curiosidades, alguns cruzamentos e paralelismos entre as músicas dos dois países ou mesmo entre as músicas do mesmo país. E daí nascem estas impressões ibéricas.

Este primeiro álbum foi, sim, um parto difícil. Já tinha o desejo de o fazer desde os meus tempos de estudante, mas, por variadas razões, fui sempre adiando. Talvez por ser um bocado perfecionista e me deixar condicionar pelas circunstâncias. Até que optei por esta fusão musical, também por influência de algumas pessoas ligadas ao mundo discográfico, que acharam que estas músicas tinham que ver com as minhas origens e que podia ser um bom disco de estreia. E foi.

Devo dizer, já agora, que o título do disco foi a última coisa a ser escolhida. O primeiro nome era uma coisa muito menos inspirada: Iberian Piano Music. Mas depois achei que podia ser mais audaz e uma pessoa da minha editora sugeriu Iberian Impressions, que achei muito bonito.

Ao entrarmos por este disco, podemos ouvir, tanto no início como no fim, duas sonatinas, respetivamente, do português Armando José Fernandes e do catalão Xavier Montsalvatge. O que representam neste programa que criou?

Nesse trabalho de “afunilar” o repertório que tinha, fui tentando encontrar uma lógica que pudesse funcionar não só no disco, mas também em concerto. A minha ideia foi ter um compositor português e um espanhol que representassem a mesma corrente ou forma de escrita, para se poder fazer a comparação estética entre o que se fazia cá e lá. E achei que estas duas sonatinas do Fernandes e do Montsalvatge poderiam representar uma escrita mais formal, aquilo a que chamo os “alicerces” deste programa. O português no início e o espanhol no fim.

Depois, pelo meio, casa a España de Isaac Albéniz com as Cenas Portuguesas de José Vianna da Motta.

Neste caso, a ideia foi juntar o nacionalismo de cada um dos países – entenda-se o nacionalismo musical, a corrente do século XIX que traz elementos do folclore nacional. Embora, na música e nas artes, não se possa dissociar os significados das expressões do contexto social. E eu quis trazer também esse nacionalismo, que se espelha logo no título de cada uma das obras.

A suite España, do Albéniz, tem seis andamentos: o terceiro, por exemplo, chama-se Malagueña e refere-se a uma dança da região de Málaga; o quinto, Capricho catalán, alude à Catalunha; e o último, Zortzico, é uma dança do País Basco. Sobre o próprio Preludio, que é o primeiro andamento, a musicóloga inglesa Joanna Wyld, que fez as anotações do disco, diz algo do género: “the Spanish setting is immediately portrayed” [o ambiente espanhol é imediatamente retratado]. É inconfundível.

Já o Vianna da Motta, com as Cenas Portuguesas, traz três andamentos: uma Cantiga de amor, alusiva às melodias portuguesas e para a qual podíamos imaginar mesmo uma letra; depois uma Chula, associada à dança típica; e uma Valsa Caprichosa, cujo título não nos diz nada de Portugal, mas as melodias são claramente lusitanas.

E dá também destaque a Pedro Blanco para fazer a transição entre estes dois compositores. Que sentido tem esta evocação?

Antes de responder a isso, tenho só de contextualizar a ideia. Eu tinha pensado inicialmente em juntar a estes compositores outros dois: um português que tivesse obras alusivas a Espanha e vice-versa. Cheguei, inclusive, a escolher o compositor português, mas depois senti que me identificava pouco com as suas danças populares espanholas.

Foi aí que optei por incluir apenas Pedro Blanco, um compositor espanhol que viveu no Porto desde os 19 anos e onde acabou por falecer aos 35, vítima da gripe espanhola. Ele dedicou as várias obras que escolhi a amigos seus portugueses: Nana leonesa ao violinista Moreira de Sá, Berceuse ao escultor Teixeira Lopes e Verbena a Vianna da Motta. Que, por uma feliz coincidência, faz mesmo a ligação com a parte deste compositor no álbum.

No fundo, enraizou-se muito na cultura portuguesa, principalmente na portuense. E, nesse sentido, achei que representava bem as culturas portuguesa e espanhola.

Este é, portanto, um álbum iberista e não uma exaltação das duas culturas isoladamente.

Sim. Eu diria que aqui o Pedro Blanco faz a ponte. Sabendo o que sei – mas obviamente sou influenciado por isso – consigo perceber na obra dele a fusão de características de ambas as culturas. Particularmente na Nana leonesa e na Verbena. A Berceuse é uma canção de embalar, diria que é universal.

Sobre os restantes compositores, são uma pequeníssima representação de alguma música ibérica. Nem Vianna da Motta representa todo o nacionalismo musical português nem Albéniz o espanhol. Mas trazem algo de próprio de cada país. E se não fosse o Blanco a fazer a ligação, que eu sugiro com o alinhamento, teríamos apenas obras individuais, inspiradas por caminhos que cada um seguiu. Por isso, quem ouvir com disposição e informado, vai sentir essa união.

Entretanto já lançou o álbum há quase um ano e deu concertos em várias salas do país. Como tem sido a reação do público?

Às vezes brinco e digo que as pessoas são sempre simpáticas e que dificilmente criticam [risos]. Mas a verdade é que tenho recebido muitos elogios desde que o disco foi lançado, no dia 13 de maio do ano passado. Até com isso eu brinco, porque o disco demorou tanto tempo a ser feito que só podia ser apresentado num dia milagroso [risos].

Curiosamente, na noite anterior à apresentação, tive um sonho esquisito. Só para contextualizar, eu tenho o hábito de fazer pequenos apontamentos entre as músicas, que adquiri depois de viver nove anos nos Estados Unidos. E então sonhei que a apresentação acontecia, mas que, no final do concerto, as pessoas passavam e nem sequer olhavam para mim. Primeiro pensava se o concerto teria sido mau, mas depois lembrava-me que me tinha esquecido de fazer o tal apontamento, de falar com o público. Depois, quando contei isto no concerto, fiz a pequena brincadeira: “pelo menos há uma parte que já está assegurada” [risos].

Ah! E alguém também me enviou um podcast de dois americanos que vivem no Japão e que fizeram uma review muito acertada ao meu álbum. Achei muita piada àquilo e até lhes escrevi.

Esta terça-feira volta a subir ao palco, desta vez na Casa da Música, no Porto. Que espera deste concerto?

Antes de tudo, espero estar bem-disposto. Para nós [pianistas] é bastante importante descansar bem na noite anterior e estar com uma boa disposição física e mental. Tendo essa questão assegurada, as outras condições também são boas. Terei um belíssimo piano e uma plateia praticamente repleta, o que é sempre prazeroso.

E pronto, quero transmitir a mensagem do álbum ao público – a maioria, penso, será a primeira vez que vai ouvi-lo, mas já tenho um público mais assíduo. Sabendo que há sempre surpresas que vão acontecer, boas e más. Mas espero que sejam mais as boas do que as más.

Penso que ainda não atuou em Espanha.

Não, mas está para breve. Não apresentei ainda o álbum fora de Portugal, mas tenho feito várias conversas e contactos para que isso aconteça. Uns mais avançados do que outros. Terei apresentações no Reino Unido, no Brasil, e em Espanha acontecerão ainda este ano e no próximo.

Efetivamente, esperava que as coisas pudessem ter tido um andamento diferente, mas é o que é. A nossa música [clássica] tem velocidades diferentes e não tem a máquina das turnés tão bem oleada como outros géneros. Aqui, as coisas demoram um bocadinho mais. Ainda para mais quando sou só eu a tratar das coisas.

O que podemos esperar de si nos próximos tempos?

Em termos artísticos, eu diria que quero lançar mais três discos nos próximos cinco anos. Na verdade, mais dois, porque quero fazer uma trilogia com este. Não serão muito diferentes deste, mas terão outras temáticas. Há quem diga que é preciso reinventar, mas eu não acredito nisso. Um piano é sempre um piano, os meus dedos serão sempre os meus dedos. A inovação também tem limites.

Naturalmente, vou continuar com os meus outros projetos profissionais. Faço concertos pontuais com colegas em festivais e outros eventos. No final de abril, por exemplo, tenho um projeto com o Teatro Praga no Teatro Rivoli: um concerto para interpretar A Sagração da Primavera, de Stravinsky, com dois pianos e percussão. Tudo isto, aliado às aulas e masterclasses que também dou, e à família que tenho, não deixa muito mais tempo para fazer outras coisas. Mas, felizmente, as coisas têm corrido bem assim.

 

Crédito da foto: Tommaso Tuzj

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