Otelo Saraiva de Carvalho nasceu em Moçambique (Lourenço Marques, actual Maputo, em 1936), neto de um actor conhecido e como a personagem de Shakespeare que lhe deu o nome, entrou para a história de Portugal através das armas já que foi o estratega do golpe que o Movimento das Forças Armadas (MFA) deu e que originou o 25 de Abril e o fim de uma ditadura com mais de 40 anos. Devido ao plano militar operacional que desenhou e anotou arduamente no seu caderno conseguiu fazer cair o anterior regime em menos de 24 horas e com pouquíssimas baixas.
Otelo Saraiva de Carvalho serviu na Guerra Colonial, onde conheceu o General Spínola, foi contra o atraso de Portugal a reconhecer independência de Angola e via Fidel Castro e a revolução cubana como algo a imolar em território luso. O militar, visto como a segunda grande figura da revolução atrás de Salgueiro Maia, partiu três anos antes dos 50 anos da «Revolução dos Cravos» e é visto como uma das grandes figuras revolucionárias do século XX.
O capitão de Abril, que morreu no Hospital das Forças Armadas aos 84 anos e fez parte do Conselho da Revolução, ficou conhecido por pertencer a uma ala mais radical do MFA e após a revolução foi preso devido a tentativa de golpe do dia 25 de Novembro. Este pedido foi feito por um antigo camarada de armas, o ex-presidente Ramalho Eanes. Otelo, que tinha uma grande paixão pelo teatro, chegou a concorrer por duas vezes a presidência da república mas sempre longe dos principais partidos políticos portugueses.
O militar viu o seu nome envolvido no movimento Forças Populares 25 de Abril (FP-25), grupo terrorista que até aos anos 80 levou a cabo vários atentados terroristas, chegando a ameaçar com o envio para o Campo Pequeno quem fosse oposto às suas ideias.
Otelo Saraiva de Carvalho, da revolução a prisão
O seu envolvimento neste grupo levou a que fosse condenado a uma pena de prisão de 15 anos (cumpriu apenas 5) mas em 1991, o presidente da república Mário Soares indultou-o e posteriormente concedeu uma amnistia ao Coronel de artilharia pois considerava que este era o passo certo a dar para fechar de uma vez por todas com as feridas abertas após o Período Revolucionário em Curso (PREC). Em 2011, Otelo foi alvo de um inquérito do Ministério Público por ter dito que naquele ano seria muito mais fácil dar um golpe do que foi em 1974 e que a revolução não ocorreu como tinham planeado já que o fosso salarial entre ricos e pobres continua a ser muito elevado.
Sempre com o «coração na boca» e polémico, esta morte está a ser sentida pelas diferentes franjas da sociedade portuguesa de formas diferentes. Visto por muitos como um dos heróis que trouxe a democracia e a liberdade ao país, outros reforçam os sentimentos de dor provocados junto dos familiares das vítimas das FP-25 (mais mortíferas que as Brigadas Vermelhas). O líder do Chega, André Ventura, considerou Otelo Saraiva de Carvalho como uma das figuras mais negativas do 25 de Abril e a representação da impunidade que a revolução trouxe.
O governo já apresentou uma nota de pesar e o presidente da república, Marcelo Rebelo de Sousa, acrescentou que » ainda cedo para a História o apreciar com a devida distância» mas não dúvida a importância que teve para a realização do 25 de Abril. Da mesma opinião é o eurodeputado Carlos Zorrinho que recorreu ao Twitter para deixar a seguinte mensagem sobre a morte de Otelo Saraiva de Carvalho: «a história julgará a sua coragem, o seu arrebatamento e os seus erros, mas ficará na nossa memória como um forte símbolo de Abril. Que descanse em paz». O funeral do estratega, segundo a Associação 25 de Abril, vai acontecer na próxima quarta-feira e haverá no dia anterior um velório na Igreja da Academia Militar.